FORMAS NOMINAIS PORTUGUESAS
E CONEXÕES COM O LATIM

Márcio Luiz Moitinha Ribeiro
(Seminário São José de Niterói / UERJ)

 

As  formas nominais, no Português, são três, a lembrar: o infinitivo, o particípio e o gerúndio. Exs.: amar, amado(a), amando. Porém, raciocinando, notamos que estes exemplos são verbos, então, como podemos considerá-los  como formas nominais, ou seja, com formas de nome, cujas funções parecem ser, eminentemente, exercidas por um substantivo, adjetivo ou pronome.

Iniciemos a nossa reflexão pelo infinitivo com o seguinte exemplo: “amar é viver”, nele podemos considerar o “amar” e o “viver”  como verbos  que podem desempenhar função, outrossim, de nomes, dessa maneira, podemos concluir que  os  verbos supra mencionados podem ser desenvolvidos em “o amor é vida”. Do ponto de vista sintático, o infinitivo “amar” desempenha função de sujeito e o “viver”, predicativo do sujeito, dentro desse contexto frasal; do ponto de vista morfológico, ambas as formas têm funções substantivadas ao lado do seu valor  verbal. O mesmo fragmento, vertido para o latim, fica amare est uiuere, os verbos amare e uiuere desempenham a mesma função sintática e morfológica do nosso vernáculo.

Em latim, o infinitivo é um pouco mais complexo porque se subdivide em infinitivo presente, passado (ou perfeito) e infinitivo futuro,  cuja maior relevância está vinculada à Oração infinitiva/ sujeito em acusativo.

 

Infinitivo Presente

O infinitivo presente ativo amare, tenere, uiuere e audire, da 1ª 2ª, 3ª e 4ª conjugações, respectivamente, deu origem  ao infinitivo do Português  amar, ter, viver e ouvir. Encontram-se os infinitivos presentes pela 3ª apresentação do paradigma verbal, no dicionário de latim.

 

Infinitivo Passado ou Perfeito

O infinitivo passado ativo constrói-se com o radical do perfectum ativo, tirado da 4ª apresentação do verbo, no dicionário, + a terminação –isse; traduz-se em português com o verbo auxiliar ter + o particípio: amauisse (ter amado); tenuisse (ter tido/possuído); uixisse (ter vencido); audiuisse (ter ouvido).

 

Infinitivo Futuro

Encontra-se o infinitivo futuro  ativo, no supino, sem a terminação –um + a forma –urum, uram,urum esse e traduz-se para o vernáculo por   haver de amar ou amará. Vejamos a sua formação:

Amat+ urum,-uram,-urum esse = haver de amar, amara; tenturum,-uram,-urum esse= haver de ter, terá; uicturum,-uram,-urum esse = haver de vencer ou vencerá e auditurum,-uram,-urum esse= haver de ouvir ou ouvirá.

Note que o infinitivo futuro, numa oração infinitiva, estará concordando com o substantivo ao qual se refere em gênero, número e o caso, irá sempre para o acusativo, visto que o sujeito da oração infinitiva também fica no acusativo.

Passemos para o particípio. Em português, o particípio de amar é  amado, amada (masculino e feminino). Estes, muitas vezes, têm função de adjetivo por isto há a concordância de gênero. Vejamos o seguinte exemplo: O professor Márcio é muito amado pelas suas fofinhas, assim como as fofinhas são muito amadas pelo professor Márcio. O particípio como se pode observar, concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere. Podemos concluir que o particípio embora seja verbo, também desempenha função de adjetivo. Não obstante, ele, outrossim, em português, possa ter função essencialmente de verbo, como na formação dos tempos compostos dos quais o particípio na voz ativa não ficará, jamais, no feminino. Ex.: Eu tenho ensinado a língua latina para as minhas fofinhas.

Devemos ressaltar em relação ao particípio do português uma questão, deveras, relevante, levantada pelo professor Napoleão Mendes de Almeida, em sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa:

(...) não obstante, empregados na voz passiva, certos particípios têm significação ativa, por outras palavras: a pessoa, a que estes particípios se referem, em vez de receber, pratica  a ação expressa por esses particípios. Assim é que homem lido, não indica o autor cujas obras são lidas, com sentido passivo, mas o homem que muito lê, com sentido ativo, isto é, que pratica a ação de ler. Tais particípios se denominam particípios depoentes, à semelhança do que se passa em latim, onde certos verbos têm significação ativa, embora possam vir conjugados na forma passiva.

Outros particípios  estão em idênticas condições:

FORMA PASSIVA                      SIGNIFICAÇÃO ATIVA
Ele é acreditado                          Ele tem crédito
Eu serei agradecido                      Agradecerá
Não seja atrevido                        Não se atreva
Fiquei calado                               Calei-me
Seremos comedidos                     Teremos comedimento
Rapaz confiado                           Rapaz que confia
Menino crescido                         Menino que cresceu
Rapaz despachado                       Rapaz que despacha
Homem fingido                           Homem que finge
Ele é lido                                    Ele leu muito
Sejamos moderados                     Tenhamos moderação
Ele está ocupado                         Ele se ocupa
Lei ousada                                   Lei que tem ousadia
Ele é  pausado                             Ele trabalha com pausa
Homem sabido                            Homem que sabe muito
Estou sentido                              Senti muito
Rapaz viajado                             Rapaz que viajou muito

 

Particípio Passado

Em latim, o particípio passado deu origem ao nosso  particípio. O particípio passado latino é formado do radical do supino da última apresentação do paradigma verbal do dicionário + a terminação –us,-a,-um, funcionando como um adjetivo de 1ª classe e sendo declinado ora pela 2ª declinação no masculino e no neutro ora pela  1ª declinação, se o substantivo for feminino. Vejamos a sua formação:

Amat+us,-a,-um (amado(a)); tent+us,-a,-um (tido(a)); uict+us,-a,-um (vencido(a)); audit+us,-a,-um (ouvido (a)).

Em latim, existem três tipos de particípio: o passado que acabamos de ver, o presente e o futuro. Em português, só existe um tipo de particípio, por outro lado, temos vestígios do particípio presente e futuro que veremos mais adiante.

 

Particípio Presente

O particípio presente era declinado com as terminações da 3ª declinação e concordava com o substantivo ao qual se refere por ser um adjetivo verbal. Traduz-se por uma oração relativa ou pelo gerúndio do português, indicando concomitância de ação. Ex.: Jesus que ama a virtude = Iesus amans uirtutem. Notemos no exemplo ao lado que o particípio presente amans está, no nominativo singular, por estar concordando com o substantivo Jesus, porém o particípio além de estar desempenhando função adjetiva, em latim, como acabamos de ver, também  desempenha função verbal, pois o complemento do particípio está, no acusativo singular (uirtutem).

O particípio presente legou ao nosso vernáculo as formas amante (que ama), movente (que move), constituinte ( que constitui ), ouvinte (que ouve), etc. Estas formas perderam em português o seu valor participial, sendo meros adjetivos ou substantivos, se colocarmos o artigo definido na frente desses vocábulos.

 

Particípio Futuro

Quanto ao particípio futuro latino, existem duas formas, uma ativa e a outra passiva, mais conhecida por gerundivo.

A forma ativa do particípio futuro tem a terminação –urus,-ura, -urum que se junta ao radical do supino e declina-se como um adjetivo de 1ª classe, concordando em gênero, número e caso com o nome. Traduz-se normalmente por uma oração relativa: amaturus,-uram,-urum= que vai amar, que amará , que está disposto a amar, que há de amar, para amar. Estas são algumas das possibilidades de tradução do particípio futuro latino.

Há vestígios, no vernáculo, do particípio futuro latino ativo, como em bebedouro, (que vai beber), vindouro ( = que há de vir), morredouro (que vai morrer). Hoje, estes exemplos têm função de meros adjetivos.

 

Gerúndio

O gerúndio latino é formado do radical do infectum + a vogal temática + a terminação –nd + as terminações da 2ª declinação, e só é declinado, no singular. O nominativo do gerúndio é o próprio infinitivo. Exemplo da sua formação latina:

(ad) am+a+nd+ um = (para) amar
am+a+nd+   i   = de amar
am+a+nd+  o  = para amar, a amar
am+a+nd+  o  = por amar, no amar, com o amar, amando

O gerúndio latino é um substantivo verbal e o complemento dele fica no acusativo, se o verbo em questão for transitivo direto. Como podemos perceber, o gerúndio latino não corresponde ao gerúndio do português, na tradução, somente, na estrutura visto que há a terminação –nd. Vale ressaltar que o gerúndio no português em seu sentido lato corresponde ao particípio presente latino, uma vez que este foi transformado em adjetivo, o gerúndio passou a exercer suas funções.

O gerúndio do português pode desempenhar, consoante a Gramática Metódica da Língua Portuguesa, do Napoleão,  quatro funções:

a)     adverbiais:  ex.:  triunfarás, querendo (Idéia de condição);

b)    de predicativo do sujeito:  ela está falando;

c)     aposto do sujeito: tudo, vendo-me chegar, me perguntava por ela.

d)    orações reduzidas de gerúndio correspondentes ao ablativo absoluto latino. Ex.: Reinando César, surgiram várias calamidades. (Regnante Caesare, ...)

Concluímos o nosso trabalho sobre as formas nominais latinas e conexões com o português com duas reflexões, na primeira, destacamos um pensamento de um grande gramático brasileiro, mestre, amigo e acadêmico, professor doutor Evanildo Bechara, que resume as formas nominais, em sua Moderna Gramática Portuguesa, da seguinte forma:

Assim se chamam o infinitivo, o particípio e o gerúndio, porque, ao lado do seu valor verbal, podem desempenhar função de nomes. O infinitivo pode ter função de substantivo ( recordar é viver = a recordação é vida); o particípio pode valer por um adjetivo (homem sabido) e o gerúndio por um advérbio ou adjetivo (amanhecendo, sairemos= logo pela manhã, sairemos; água fervendo= água fervente). Nesta função adjetiva o gerúndio tem sido apontado como galicismo; porém, é antigo na língua este emprego.

As formas nominais do verbo, com exceção do infinitivo, não definem as pessoas do discurso e, por isso, são ainda conhecidas por formas infinitas. Possuem desinências nominais idênticas às que caracterizam a flexão dos nomes ...

Para a nossa segunda reflexão, achamos de suma relevância destacar algumas idéias de uma lingüista em relação ao assunto em questão, de modo que propomos registrar, em seguida, na íntegra, um fragmento do trabalho da professora Flávia Carone, no seu livro Subordinação e Coodenação, sobre as formas nominais:

Para início de conversa: Infinitivo, gerúndio e particípio – as “Formas Nominais” do verbo – são verbos ou são nomes? Está difícil decidir, mas vamos começar com a constatação de que são nomes, com eram em latim (que tinha, além desses, o particípio presente, o particípio futuro, o gerundivo, ou o particípio futuro passivo), pois, não é o radical que decide quem vai ser nome ou verbo: são os morfemas gramaticais que definem o vocábulo como uma coisa ou outra.

O infinitivo é nome substantivo. Tem gênero e número. O particípio é nome adjetivo, com as categorias normais dessa classe. E o gerúndio é nome advérbio, invariável. Como os demais advérbios, lembremo-nos de que o gerúndio é um ablativo latino, em português, assumindo as funções  circunstanciais próprias desse caso.

Mas a translação, cujo caráter qualitativo Tesnière estudou insinua-se e opera uma alteração no comportamento desses nomes, permitindo-lhes assumir o comportamento de verbos – sem que deixem de ser nomes: em relação a seus subordinantes, eles são nomes; em relação  a seus subordinados, são verbos. Podemos representar sua dupla face desta maneira:

SUBSTANTIVO
INFINITIVO
VERBO

ADVÉRBIO
GERÚNDIO
VERBO

ADJETIVO
PARTICÍPIO
VERBO

Todos os termos de uma estrutura oracional são, imediata ou mediatamente, presos  ao verbo, seu centro, em conseqüência, o valor de substantivo, advérbio ou adjetivo é atributo da oração como um todo.

O diretor não permitia falarmos com os colegas durante o recreio. Como objeto direto de permitia, a oração infinitiva é um  valor substantivo; mas o infintivo falarmos é  verbo em relação a nós, com os colegas e durante o recreio.

As operárias conseguiram uma creche na fábrica organizando muito bem seu movimento reivindicatório. A oração  gerundial tem valor de advérbio em relação a conseguiram; mas o gerúndio organizando é verbo em relação a elas, bem e  movimento.

Quanto ao particípio, a questão é controversa: poderia ele realmente constituir uma oração participial adjetiva, ou não seria mais que um simples adjunto adnominal?

Realmente, seria excessivo ver mais que isso em um particípio que não tenha, ele próprio, expansões que possam ver consideradas marginais de um verbo, como em  “revi ontem um velho e querido amigo”.  Mas, há construções em que ao particípio com valor adjetivo se ligam termos complementares: “seguia com os olhos as folhas suavemente tangidas pelo vento”. Que o particípio tangidas tem valor de adjetivo, ninguém discute. Mas seria ele um verbo em relação a elas (sujeito oculto), suavemente (adj. adverbial) e pelo vento   (complemento agente)? Ou seria apenas um adjunto adnominal de folhas? Quem optar por esta classificação deverá, coerentemente, dizer que suavemente e pelo vento são complementos nominais do adjetivo-particípio – o que nos parece uma solução bastante duvidosa.

Portanto, podemos notar que a professora Carone  concorda com a função  das formas nominais que foram apresentadas no decorrer de nosso trabalho, contudo, a autora mostra um segundo ponto de vista sobre o assunto que é o da dupla função das formas nominais, isto é, uma forma nominal como o infinitivo, por exemplo, na mesma frase, pode desempenhar função de verbo e de nome, dependendo da ótica de como foi analisado o termo.

Convém ressaltar que as afirmações dela são bastante plausíveis, tendo em vista os exemplos destacados e as convincentes argumentações.

 

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina. São Paulo: Saraiva, 1965.

––––––. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1983.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. São Paulo: Ática, 1987.

CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação. São Paulo: Ática, 1988.

FARIA, Ernesto. Gramática superior da língua latina. Rio de Janeiro: Acadêmica: 1958.