PRINCÍPIOS TEÓRICOS DE TOPONÍMIA E ANTROPONÍMIA:
A QUESTÃO DO NOME PRÓPRIO

Patricia de Jesus Carvalhinhos (FFLCH-USP)
Alessandra Martins Antunes (PG-USP)

 

Irmã, Sóror Saudade me chamaste...
E na minh'alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.

Numa tarde de Outono o murmuraste,
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe,
Jamais me hão de chamar outro mais doce.
Com ele bem mais triste me tornaste...

E baixinho, na alma da minh'alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,

Como se fossem pétalas caindo
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: "Irmã, Sóror Saudade..."

 

(‘O meu nome’. In Florbela Espanca.
Livro de Sóror Saudade, 1919)

 

Introdução

Talvez não pensemos muito em nosso próprio nome porque, como tão bem coloca Florbela Espanca, ele não seja fruto de uma escolha consciente, mas nos é dado por outrem. Seja nosso nome iluminado como um vitral ao sol, ou ainda Benção de sol que afaga e acalma; seja o nome algo interpretado como “negativo” (Toda a mágoa do Outono ele me trouxe; Com ele bem mais triste me tornaste...), a verdade é que Florbela Espanca capta, neste soneto, a questão da identificação, emanada pelo nome, entre o ser/objeto designado e sua designação.

Desde que nascemos, somos engolfados e submergidos em uma cultura e, também o nome, como fruto dessa cultura, pelo menos na nossa sociedade nos acompanha desde o nascimento (ainda que o ato de pensar o nome de um filho venha muito antes, desde o período da gestação). De tão presente que é nas nossas vidas, não pensamos muito sobre os nomes em geral.

Quem pensa usualmente sobre o próprio nome? Quando somos convidados a refletir sobre o assunto, a primeira pergunta que nos advém do questionamento é: o que é o nome, e para que serve? Saindo de nós mesmos para a realidade circundante, a mesma pergunta pode suceder: por que os objetos e os lugares têm nome, e para quê? Qual o seu motivo?

Parecem questões muito simples, mas para respondê-las, ao contrário do que parece a primeira vista, faz-se necessário refletir sobre vários aspectos da linguagem; aliás, algumas destas questões já eram formuladas pelos gregos, assim como as reflexões sobre o tema. O que nos propomos, no âmbito desta comunicação (que corresponde ao minicurso homônimo) é procurar pensar na questão do nome próprio hoje[1], em sua aplicação aos lugares ou às pessoas, assim como nas relações implícitas no nome, sua posição dentro da teoria dos signos. No que concerne ao lugar, abordamos, ainda, a peculiaridade de um signo lingüístico quando está em função toponímica – e, no que diz respeito ao topônimo propriamente dito, discorreremos sobre alguns fenômenos lingüísticos mais comuns com os quais se deparam os estudiosos de Onomástica, ou Onomatologia[2].

Aqui refletimos, pois, o nome em seu conceito básico - para os gregos, o onoma -, além de pensar a relação semântica de um objeto com seu nome e, por extensão, a relação de um nome próprio ao lugar ou à pessoa a qual se vincula.

 

Onomástica; nome próprio: o conceito de onoma
Naturalismo e convencionalismo

A questão do nome sempre foi palpitante por problematizar alguns temas como a relação semântica entre um objeto e sua denominação, e a referência entre o objeto, o conceito e a forma da palavra. Estas questões já eram formuladas na Grécia, e o gramático Dionísio, o Trácio, no século II a.C., quando da sistematização da primeira gramática do mundo ocidental, já descreveu o onoma, pois naquele tempo não existia o conceito de nome próprio como conhecemos atualmente, em oposição ao nome comum: a definição de onoma abarcava ambos por se referir a denominações de seres individuais, atividades humanas e objetos. Para refletir sobre o onoma, é necessário rever o que se pensava sobre a relação semântica existente entre um objeto e seu nome. Citemos Lyons (1979: 429):

Os filósofos gregos do tempo de Sócrates, e, em seguida, Platão, propuseram a questão nos termos em que ela geralmente se propõe até hoje. Para eles a relação semântica que liga as palavras às coisas é a de "denominar"; e a questão que daí decorre é a de saber se os "nomes" dados às "coisas" eram de origem "natural" ou "convencional" (...). No curso do desenvolvimento da gramática tradicional, tornou-se hábito distinguir entre o significado da palavra e a "coisa" ou as "coisas" por ela "denominadas". Retomando a distinção formulada pelos gramáticos medievais: a forma de uma palavra (vox — parte duma dictio) significava "coisas" em virtude do conceito associado a essa forma no espírito dos falantes; c o "conceito", olhado desse ponto de vista, era o significado da palavra (a sua significatio). Consideremos essa a visão tradicional da relação entre palavras e "coisas".

Na verdade, os elementos contidos na citação de Lyons poderiam ser objeto de uma ampla discussão que não cabe no âmbito deste trabalho; serão aqui retratados apenas para ilustrar a nossa questão central, que é o nome próprio nas atuais vertentes da Onomástica, toponímia e antroponímia. Deste pequeno trecho de Lyons, depreendemos elementos e conceitos que ainda hoje são pontos de discussão entre lingüistas, estando diretamente relacionados às relações existentes entre toponímia e antroponímia: o naturalismo e o convencionalismo[3].

Estes dois conceitos (naturalismo e convencionalismo), por estarem ligados aos atuais conceitos de arbitrariedade e motivação, nos remetem a dois pontos cruciais da definição do signo toponímico, que é a motivação – o signo, em função de topônimo, não pode ser considerado arbitrário como um signo comum – e, mais um ponto, tanto ligado aos nomes de lugar quanto aos nomes de pessoas (ainda que se lhes apresente de modo diferenciado), que é o esvaziamento semântico. Mas, antes de tratar estes dois pontos –motivação e esvaziamento – precisamos traçar quais as relações existentes entre a toponímia e antroponímia.

 

Das relações entre toponímia e antroponímia

Grosso modo, como já ficou exposto anteriormente, o nome nasce da relação semântica que se estabelece entre o objeto e sua designação. Assim esquematizaram OGDEN & RICHARDS (apud Lyons):

O clássico triângulo semiótico, publicado pelos autores em 1923 em The Meaning of the Meaning, esquematiza modernamente a referência que é, para Lyons, “(...) o termo moderno para as ‘coisas’ como ‘denominadas’ ou ‘significadas’ pelas palavras.” (1979: 429). E assim explica o esquema:

(...) as palavras não “significam” nem “denominam” as coisas, mas se referem às coisas. Feita a distinção entre forma, significado e referente, podemos dar a conhecida representação diagramática da concepção tradicional entre esses três elementos sob a forma de um triângulo (...). A linha pontilhada entre forma e referente significa que sua relação é indireta: a forma liga-se a seu referente por meio do significado (conceptual) associado àquela e a este, mas de maneira independente. Esse diagrama ressalta um fato importante: que, segundo a gramática tradicional, a palavra resulta da combinação de uma forma específica com um significado específico.

Este esquema demonstra porque em Onomástica é necessário trabalhar com o contexto (o referente) para, muitas vezes, poder-se recuperar o significado do nome, estabelecendo o seu percurso gerativo.

Sobre a relação entre toponímia e antroponímia, podemos perceber que se atualmente em nossa sociedade existem nomes adequados às pessoas e aos lugares, antigamente não havia, necessariamente, essa “separação”. Na Antiguidade, muitas vezes o nome que o indivíduo recebia era, de acordo com a cultura, a mesma designação para um animal, um herói, um objeto: funcionando como um “amuleto”, o nome poderia atrair bons fluidos e repelir espíritos malignos. Neste caso, a relação semântica que se estabelecia já era de segunda mão, o que vale dizer que a relação direta não era entre o significante e o indivíduo denominado, mas sim entre o significante e o conceito, ficando o individuo atrelado a esta relação, apenas, mas não fazendo parte dela diretamente.

Atualmente, consideramos o fato de um nome ser “adequado” para “etiquetar” uma pessoa ou um lugar, mas não servindo a mesma designação para ambos, é meramente uma convenção social.

Se não houvesse, portanto, o que podemos chamar de estereótipos sociais, um nome seria da mesma forma adequado para referir-se tanto a uma pessoa quanto a um lugar. Alguns autores consideram o nome (sobretudo o antropônimo) uma mera etiqueta, sendo, deste modo, absolutamente vazio de sentido. Não obstante, soa estranho quando conhecemos alguém cujo nome é considerado incomum – sobretudo no caso de nomes cujo significado seja transparente: Mel, Amora, Sol, Lua... estes são nomes aceitáveis, mas, mesmo estando vetados por lei os nomes que causem constrangimento aos portadores, ainda atualmente há casos de nomes que se enquadram nesse quesito.

Portanto, alguns dos nomes citados como “excêntricos” por Guérios (1994) assim o são apenas por serem transparentes. O que queremos dizer é que, se fosse opaco o significado de nomes como Alarme José, Crepúscula das Dores, Frígida, Gilete de Castro, Inocêncio Coitadinho Sossegado de Oliveira (escolhidos aleatoriamente entre muitos outros listados pelo autor), provavelmente seriam nomes aceitos pela sociedade em sua função de etiqueta, e não causariam aos seus portadores nenhum tipo de constrangimento ou humilhação: estamos habituados a ver, nos nomes de pessoas, denotação, e não conotação.

Esta questão remete a um dos fenômenos que abordaremos mais adiante, o esvaziamento semântico. Mas, para chegar a este ponto, prossigamos um pouco mais sobre o que vários teóricos da Semântica propuseram, mais modernamente, sobre o nome e o nome próprio. Pulgram (1954) analisa a implicação da significação do conceito nome próprio: o onoma grego, traduzido para o latim como nomen proprium, não teria aqui apenas o significado de “próprio” no sentido de propriedade, mas também possuiria o sentido de peculiar, característico, em oposição a comum, ordinário (apud Dick, 1990).

Para Ullmann (1967), os nomes possuem funções distintiva e significativa – o nome próprio não significa, portanto, não conota; sua função é meramente distintiva.  Sua posição é calcada no estudo de Stuart Mill, que afirma:

Proper names are not connotative; they denote the individuals who are called by them; but they do not indicate or imply any attributes as belonging to those individuals. When we name a child by the name Mary, or a dog by the name Caesar, these names are simply marks used to enable those individuals to be made subject of discourse. It may be said, indeed, that we must have had some reason for giving them those names rather than any others: and this is true; but the name, once given, becomes independent of the reason. A man may have been named John because that was the name of his father; a town may have been named Dartmouth, because it is situated at the mouth of the Dart.

(…) Proper names are attached to the objects themselves, and are not dependent upon the continuance of any attribute of the object. (21-22)

(…) The only names of objects which connote nothing are proper names; and these have, strictly speaking, no signification.[4] (23)

Fica, aqui, evidente a posição de se considerar o nome próprio uma etiqueta, no sentido que, atualmente (em nossa sociedade), não existe uma relação entre o significado do nome e o ser designado[5].

Pode-se considerar, teoricamente, que um nome seria adequado a designar tanto um lugar quanto uma pessoa ou um objeto, se não fossem os estereótipos sociais. Contudo, hoje em dia o nome de pessoa, pelo menos na maioria das sociedades ocidentais, está esvaziado de seu significado.

O esvaziamento semântico é um fenômeno inerente à maioria das palavras, dada a própria dicotomia que assegura a evolução da linguagem, conservadorismo/mudança, binômio que expressa os fatores estáticos e dinâmicos da linguagem, assegurando a comunicação entre os seres humanos. Em Toponímia, esse fenômeno foi denominado fossilização ou cristalização do topônimo: a partir do momento em que a língua oral muda e também o meio ambiente se transforma, provavelmente o referencial físico que elucidaria o significado não mais existe, o que inviabiliza ou pelo menos dificulta a reconstrução etimológica. O topônimo guarda, então, sob um invólucro aparentemente sem sentido (uma cadência de sons reconhecidos como sendo da língua mas eventualmente desconhecidos no momento da decodificação), os semas ou unidades mínimas de significação que permitem a reconstrução etimológica.

Portanto, embora surjam do mesmo modo e teoricamente tanto possam designar uma pessoa ou um objeto ou um lugar, atualmente (em nossa sociedade) as relações mais evidentes entre os nomes de lugar e os nomes de pessoas são as facultadas pela liberdade de, a partir de uma mesma matriz lexical da língua (de uma única lexia), formar-se topônimos e antropônimos, assim como se formar um topônimo a partir de um antropônimo, e o contrário. Tal fato é exemplificado por Dick (199:125) a partir da lexia cabra e do derivado cabral, este último tornado antropônimo, que por sua vez formou topônimos, conforme o diagrama baseado no texto citado:

Mencionadas as relações existentes entre toponímia e antroponímia, já estamos habilitados a expor, ainda que de modo sucinto, o que ocorre com o signo lingüístico quando está em função de topônimo.

 

O signo toponímico

Na verdade, o topônimo não contempla apenas uma classe gramatical, muito embora exista uma tendência e grande parte de topônimos constitua-se de substantivos ou substantivos + adjetivos. O signo toponímico abarca não somente o nome de um lugar, mas o lugar em si. A literatura especializada especifica o lugar denominado, de modo geral, como genérico; Dick (1990) preferiu, a fim de dar paridade aos elementos constituintes do que denomina “sintagma toponímico”, usar termo ou elemento genérico, complementado pelo termo ou elemento específico, ou nome propriamente dito.

O posicionamento dos termos no sintagma toponímico depende, obviamente, da natureza da língua em questão. A língua portuguesa, de estrutura em justaposição, em geral apresenta o genérico anteposto ao nome propriamente dito, acompanhado ou não de conectivo: rio (de) São Francisco, rio (das) Amazonas.

Ás vezes o elemento genérico está elíptico ou apenas pressuposto, sobretudo no que diz respeito aos aglomerados humanos: por isso, não é necessário dizer mais que o nome do município; em caso de homonímia, o genérico entra como elemento para evitar ambigüidades: assim, temos o estado do Rio de Janeiro em oposição à cidade.

Outras línguas, contudo, poderão apresentar estrutura aglutinante, como é o caso das línguas indígenas brasileiras. O mesmo fenômeno é relatado em algumas composições de nomes norte-americanos.

Apresentados alguns elementos referentes à estrutura do topônimo, podemos agora referir-nos aos já anteriormente mencionados fenômenos em sua substância semântica. Em função de topônimo, o signo pode apresentar alguns fenômenos, entre eles o esvaziamento que conduz à opacidade (fenômeno comum aos antropônimos) e, mais especificamente, a fossilização ou cristalização do nome.

 

Principais fenômenos do signo toponímico:
fossilização; esvaziamento semântico, nomes opacos

Cada língua, pois, apresenta particularidades com o que diz respeito aos fenômenos aqui mencionados. Em países jovens como o Brasil, existem muito mais nomes de lugar transparentes, isto é, cujo significado ainda está ativo no léxico comum, que nomes opacos. A opacidade ocorre por dois motivos principais: o primeiro, mais óbvio, é por desconhecimento da língua em questão, o que leva à não decodificação ou não complementação do percurso decodificação daquele nome. No segundo motivo, o tempo e a sobreposição de camadas lingüísticas concorrem para a opacidade do nome: no caso da Europa, por exemplo, existem registros de topônimos pré-romanos, ou classificados pelos especialistas como pré-romanos. Características morfemáticas, muitas vezes, são elementos preciosos de recuperação lingüística, como explicamos adiante com exemplos de toponímia portuguesa. Poder-se-ia dizes, portanto, que sob a casca oca do significante restam vestígios (semas) que, devidamente tratados, podem completar o percurso de decodificação.

O termo fossilização, aplicado à lingüística, foi proposto por Jean Brunhes, no seguinte contexto: “nom de lieu est tout à fait comparable, comme document, à un fossile, à une médaille, à une monnaie”.[6] Ele se referia ao fato de o signo em função de topônimo estabilizar-se e não mais mudar – não nos referimos à substituição, mas sim à manutenção do mesmo topônimo. Neste caso, há uma cristalização, e o nome de lugar vai conservar exatamente os mesmos elementos lingüísticos do tempo de sua estabilização: não haverá, por exemplo, mudanças morfológicas.  Semanticamente, poderá haver esvaziamento, e mesmo que haja adaptações fonológicas de acordo com a passagem do tempo, traços fonéticos podem permanecer intactos no topônimo.

Podemos mencionar, exemplificativamente, o que ocorre com alguns topônimos portugueses que sofreram esvaziamento semântico e ficaram parcial ou completamente opacos, seja porque sufixos latinos que lhes foram agregados não mais se usam em português, seja porque sua acomodação na toponímia criou uma similaridade a outros sufixos, conduzindo a falsas interpretações.

Em ambos os casos mencionados podemos elencar topônimos referentes a antigos genitivos de posse, tanto na forma sufixal –ini (variante –ina), presente em topônimos como Afonsim e Aboim (concelho[7] de Vila Pouca de Aguiar, distrito de Vila Real) - como nos topônimos em –anis (Ansiães, villa Ansilanis, freguesia do concelho de Amarante) e –onis (Tellionis, atualmente Telões, também freguesia do concelho de Amarante, e Midões, antes villa Midonis, do freguesia concelho de Tábua, distrito de Coimbra). Todos os casos, apresentados por Vasconcelos, remetem a antigas quintas ou vilas que, na idade média[8], tinham sua especificação “com a adjunção do nome do possuidor em genitivo, por exemplo: villa Eirici, Vila Ninanis, Villa Regaulfi, donde hoje Eiriz, Ninães, Regoufe.” (1931:359).

Observe-se que um nome pode ser opaco, hoje, pela sobreposição de camadas lingüísticas, no sentido de várias etapas evolutivas de uma mesma língua – como é o caso de topônimos europeus, aqui exemplificados – ou, a opacidade se pode dar justamente pelo desconhecimento da língua, como é o caso das línguas indígenas americanas. Este fator conduz, como já foi estudado tanto por Dick, no Brasil, quanto por vários outros autores canadenses e americanos, à sobreposição de um novo elemento genérico.

Vale dizer, portanto, que uma língua indígena por ser aglutinante possui (no que identificamos como uma única lexia) várias lexias na língua original, entre elas, a que corresponde ao elemento genérico. O desconhecimento da língua leva à adoção de um novo elemento genérico já na estrutura da língua dominante: no Brasil, por exemplo, os nomes indígenas que incorporam o elemento água, como Ipiranga (SP; y-piranga, ‘água vermelha’), recebem um novo genérico: riacho do Ipiranga.

 

Considerações finais

Longe de esgotar o assunto, que já tem sido abordado sob vários pontos de vista, consideramos que este breve estudo contribuirá para que se reflita o nome com a devida atenção, seja ele aplicado ao lugar ou à pessoa, com a devida atenção e como objeto de pesquisas sérias. Para fins didáticos, buscou-se evidenciar as relações existentes entre toponímia e antroponímia, dado o conceito inicial de onoma; explorar brevemente a estrutura do signo em função toponímica; e, por fim, enumerar alguns dos fenômenos que podem dificultar a decodificação do topônimo na sincronia, conduzindo o pesquisador à diacronia, a fim de resgatar o percurso gerativo do nome: seu denominador, seu motivo.

 

Referências bibliográficas

BRÉAL, M. Ensaio de semântica. Trad. Aída Ferrás et al. São Paulo: EDUC-Pontes, 1992.

BRUNHES, J. La Geographie Humaine. Paris, 1925.

DICK, M. V. P. A. Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. 2ª ed. São Paulo: 1990.

––––––. Métodos e questões terminológicas na onomástica. Estudo de caso: o Atlas Toponímico do Estado de São Paulo. Investigações. Lingüística e teoria literária, vol. 9. Recife: Programa de pós-graduação em letras e lingüística da UFPE, março de 1999, p. 120-143.

GUÉRIOS, R.F.M. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. 4ª ed. rev.. São Paulo: Ave-Maria Edições, 1994.

LYONS, J. Introdução à lingüística teórica. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1979.

PULGRAM, E .Theory of names. Berkeley: American name society, 1954.

STUART MILL, J. A system of logic, ratiocinative and inductive. New York: Harper & Brothers Publishers, 1846.

ULLMANN, S. Semântica. Uma introdução à ciência do significado. Trad. Mateus, J. A. Osorio. 2ª ed.  Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1967.

VASCONCELOS, J. Leite de. Antroponímia portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1928.


 

[1] Tendo em vista os limites deste trabalho, nos ateremos ao sistema onomástico brasileiro, apenas referindo-nos exemplificativa e pontualmente a outras culturas.

[2] No Brasil, usamos o termo Onomástica para referir-nos à parte de Lingüística que se dedica ao estudo dos nomes próprios. Leite de Vasconcelos (1928: 2) propõe a seguinte terminologia, baseada em sua própria definição das subáreas (toponímia e antroponímia), proposta em 1887: “Temos (...) muitas espécies de nomes próprios. A secção de Glotologia que trata deles (origem, razão de emprego, forma, evolução, etc.), convieram os filólogos a designar por Onomatologia, que, de acordo com aquelas espécies, deverá decompor-se em três disciplinas secundárias:

1.  Estudo dos nomes locais, ou Toponímia, na qual se inclui igualmente o elemento liquido (rios, lagos, etc.), e outros produtos da natureza, como árvores, penedos, que dão frequentemente nomes a sítios (a Toponímia é pois Onomatologia geográfica).

2.  Estudo dos nomes de pessoas, ou Antroponímia (...).

3.  Estudo de vários outros nomes próprios, isto é, d astros, ventos, animais, seres sobrenaturais, navios, coisas: Panteonímia (...) .” (grifos do autor)

[3] Lyons (1979: 4), ao recuperar a gramática tradicional quando reconta a história da Linguística, retrata os conceitos mencionados por nós, naturalismo e convencionalismo. Segundo o autor, havia uma discussão entre os filósofos gregos se era a natureza ou a convenção que regia a língua, ou seja, dentro da especulação filosófica dizer que algo era natural significava dizer que se originava em “princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem, e era por isso inviolável; dizer que era convencional equivalia a dizer que ela era o mero resultado do costume e da tradição, isto é, de algum acordo tácito, ou "contrato social", entre os membros da comunidade — "contrato" que, por ter sido feito pelos homens, podia ser pelos homens violado.”

[4] “Nomes próprios não são conotativos; eles denotam os indivíduos por eles designados, mas não indicam ou implicam quaisquer atributos como pertencentes aos mesmos indivíduos. Quando se nomeia uma criança Mary ou um cão César, estes nomes são simples marcas usadas para habilitar os indivíduos a serem sujeitos do discurso. Pode-se dizer, certamente, que precisamos ter alguma razão para dar lhes estes nomes ao invés de outros: e isto é verdade, mas o nome, uma vez atribuído, torna-se independente do motivo. Um homem pode ter sido denominado John por este ser o nome de seu pai; uma cidade pode ter sido denominada Darthmouth (boca; foz do Darth) porque se situa na foz do rio Darth.

(...) Nomes próprios se unem aos objetos, sendo independentes da continuidade de algum atributo dos objetos.

(...) Os únicos nomes de objetos que nada conotam são os nomes próprios: estes possuem, estritamente falando, nenhuma significação.”  Tradução das autoras.

[5] Poder-se-ia alegar que grande parte dos pais consulta dicionários etimológicos ao escolher nomes para os filhos. Isto é correto, mas não invalida a concepção de nome como etiqueta, pois a junção do significado ao significante não ocorre. Por exemplo, entre os povos germânicos era normal dar aos filhos nomes que remetessem a animais, sobretudo o lobo – por metáfora, os atributos de lobo (audácia, força, impetuosidade), a fim de que os atributos do animal fossem conferidos, através do nome, à criança. Guérios cita, nessa linha de pensamento, os nomes de origem teutônica terminados em - olfo (de ulf, lobo): Astolfo (“impetuoso, violento como o lobo”), Adolfo (como Ataúlfo, do visigótico Athaulf: “lobo (ulf) nobre (atha)”); e, não metaforicamente, os nomes diretamente relacionados à guerra, como Aguinaldo (germ. Aginald: “que governa (wald) com a espada (agin)”), entre tantos outros. Neste caso, os nomes eram transparentes, e não opacos.

[6] BRUNHES, J. La Geographie Humaine, Paris, 1925.

[7] Concelhos, freguesias e distritos são divisões administrativas portuguesas. Os distritos se dividem em concelhos, que por sua vez se dividem em freguesias.

[8] O autor apresenta, ao longo do texto, referências a documentos dos séculos IX a XI.