ARCAÍSMOS MORFOLÓGICOS
NA TOPONÍMIA DE PORTUGAL*

Patricia de J. Carvalhinhos (USP)

 

Apresentação

O presente artigo reporta-se a um tema abordado por nós em outras oportunidades, pois já nos anos 90, antecipando as comemorações dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil, orientamos nossa dissertação de mestrado A toponímia portuguesa. Um recorte lingüístico do Douro ao Tejo[1] (projeto iniciado em 1995) à toponímia portuguesa[2].

Averiguou-se, entre muitos outros dados, que muitas expressões de língua arcaica se cristalizaram sob a forma de topônimos, evidenciando, assim, no léxico toponímico, resquícios de uma oralidade antiga (com formação média entre séculos VIII e XI). Percebemos, pois, vários fenômenos lingüísticos relevantes no levantamento, principalmente quando do estudo morfológico.

Esta comunicação busca analisar alguns desses fenômenos lingüísticos decorrentes do estudo toponímico e dialetológico da área em questão[3]. São fenômenos que ocorrem comumente na toponímia, sobretudo quando o nome do lugar já se estabeleceu há algum tempo e a lexia que o originou acabou por sair do sistema lexical (em desuso pelos falantes), ocasionando a não decodificação do significado. Tanto este fenômeno (denominado esvaziamento semântico) quanto outro dele decorrente, a ressemantização, são freqüentes: o significado original fica cristalizado, ou então ganha novo sentido – não esquecendo que, muitas vezes, a ressemantização surge como fenômeno para o falante português do Brasil (PB), quando da decodificação do topônimo – ressemantização que conduz, quase sempre, a um sentido divergente do real[4].

Alguns dos topônimos, aqui apresentados, podem ter seu significado recuperado. O estudo morfológico dos nomes de lugar possibilita o restabelecimento do significado, pois os morfemas são elementos que permanecem intactos nos sufixos, trazendo ao pesquisador marcas morfológicas arcaicas, como plurais, diminutivos e genitivos, entre outras; com base nisto, é possível verificar até o tempo médio de surgimento do topônimo.

Para falar, pois, sobre estes arcaísmos morfológicos na toponímia portuguesa, e de alguns fenômenos geralmente atrelados aos topônimos com elementos arcaizantes, estruturamos este artigo da seguinte maneira: primeiramente, definimos o conceito de arcaísmos e arcaísmos morfológicos, para depois delinear, de modo sucinto, as principais características da toponímia do distrito de Aveiro, percebidas pelos estudos realizados até o momento; em seguida, relacionamos os fenômenos lingüísticos mais comuns presentes em um corpus como o levantado em Portugal (formado e estabelecido, em grande parte, há alguns séculos), exemplificando-os.

 

Arcaísmos e arcaísmos morfológicos.

Arcaísmos, de um modo geral, são expressões, palavras ou usos de sintaxe que já não são mais de uso corrente entre os falantes. É, contudo, um conceito considerado relativo para vários lingüistas, e mesmo sua classificação não encontra consenso geral.

Para Dubois et al. (1998:65), o arcaísmo “é uma forma léxica ou construção sintática pertencente, numa dada sincronia, a um sistema desaparecido ou em vias de desaparecimento”. Já para Mattoso Câmara Jr. (1996) arcaísmos são “vocábulos, formas ou construções frasais que saíram de uso da língua corrente e nela eram vigentes”. Compartilham desta opinião Cunha e Cardoso (1976: 210), para quem os arcaísmos são “palavras, expressões, formas e tipos de construção sintática que não são mais correntes em determinada fase da língua”, e assim também Coutinho (1976), que diz serem os arcaísmos palavras, formas ou expressões antigas não mais usadas.

A relatividade do conceito advém, para Cunha e Cardoso (idem, ibidem) do fato de, “(...) a rigor, não se pode[r] falar em arcaísmos a não ser em relação com o uso normal consagrado em certo momento da história da língua”.

As causas dos arcaísmos, apontadas por vários autores, relacionam-se a fatores internos e externos. Uma delas (Ribeiro apud Coelho, 1999:245) coincide, de certo modo, com o conceito de fóssil lingüístico proposto, pela primeira vez, pelo geógrafo Jean Brunhes (1925), para quem o nome de lugar representa o papel de um documento ou um fóssil, na medida em que registra elementos desaparecidos.

Ainda quanto à definição de Ribeiro (apud Coelho), uma das causas de arcaísmos é “o desaparecimento de coisas, fatos, civilizações e instituições”, o que nos parece coincidente com a definição de topônimo como fóssil lingüístico. Mas esta não é a única causa apontada, e vários autores mencionados por Coelho (idem, ibidem) apresentam classificações similares para os arcaísmos: o já citado João Ribeiro classifica os arcaísmos em ortográficos, morfológicos ou de flexão, sintáticos ou de construção e semânticos; já Coutinho (1972) classifica-os somente como léxicos (ou de palavras) e sintáticos (ou de expressão). Para Cunha e Cardoso (1978), os arcaísmos classificam-se em léxicos, semânticos, sintáticos e morfológicos.

Arcaísmos morfológicos, segundo estes autores, apresentam-se em vocábulos sujeitos a processos morfológicos não mais vigentes na língua. Apesar de o conceito de arcaísmo (e, por extensão, também o de arcaísmo morfológico) apresentar-se como relativo, acreditamos ser adequando à expressão do fenômeno que ocorre na toponímia portuguesa, na qual frequentemente há a cristalização de sufixos, em sua maioria morfemas lexicais, em desuso atualmente; como veremos adiante, esses sufixos arcaicos podem tornar o significado do topônimo parcial ou totalmente opaco.

 

A toponímia de Aveiro. Características gerais.

Nossos estudos se calcaram na proposição de Dick (1990) para a análise motivacional, ou seja, partindo da concepção de SAPIR (1969) (que, grosso modo, determinou ser o léxico de um povo influenciado pelo ambiente circundante), Dick propôs a análise dos topônimos segundo a sua substância semântica, classificados pela dicotomia físico e antropocultural.

Segundo o que pudemos apurar, em termos de motivação, a distribuição das taxionomias toponímicas[5] de natureza física no distrito de Aveiro aponta para a predominância de topônimos de índole vegetal (fitotopônimos), e também relativos à topografia em geral (geomorfotopônimos), na qual estão inseridos os topônimos referentes aos monumentos pré-históricos.

Tais categorias remetem a uma alta descritividade ambiental, podendo-se traçar um panorama nítido dos aspectos vegetais, orográficos, hídricos, animais, enfim, naturais do momento da denominação[6]. Quanto à natureza humana predominam, semanticamente, antropotopônimos[7] e sociotopônimos[8], muitos deles com o significado já opaco. A grande maioria dos antropotopônimos, que se referem a nomes de povoados ou vilas (p. ex., Gonde, Esmoriz, Goim, Saravigões, Recardãis, Janardo, Gongeva), é de origem germânica e, atualmente, está opaca.

Por meio da reconstituição do significado (eliminando a opacidade), e decorrente identificação da proveniência lingüística dos topônimos, situamos a maior concentração visigótica nos atuais concelhos de Espinho e Santa Maria da Feira; assim, também percebemos a quase ausência de toponímia de origem árabe no distrito. A religiosidade portuguesa encontra-se presente no léxico toponímico, impressa em topônimos referentes a oragos, símbolos e elementos religiosos[9]. Passamos, agora, a analisar detidamente os fenômenos mais freqüentes na toponímia de Aveiro, destacando, obviamente, o papel do arcaísmo morfológico no resgate do significado.

 

Toponímia, esvaziamento semântico
e ressemantização: arcaísmos

A história da língua portuguesa e das línguas, de uma maneira geral, registra vários fenômenos resultantes da passagem do tempo, quando as estudamos na diacronia. Um deles, a ressemantização, faz com que uma palavra assuma um segundo significado, para um mesmo significante. Outro fenômeno igualmente freqüente é o esvaziamento semântico, isto é, a perda do sentido – o que, em muitos casos, conduz à ressemantização.

Como parte da Onomástica, pode-se dizer que a Toponímia pertence a um determinado universo de discurso, estando sujeita a suas leis, pois o nome de lugar é um signo de língua comum em função toponímica. Contudo, a partir do momento que este topônimo se fixa (ou se oficializa), cristaliza-se, guardando em seu interior os semas e os morfemas que caracterizam a língua no ato da denominação.

Para facilitar a compreensão, elaboramos um esquema no qual se demonstra o que ocorre com o signo quando está em função toponímica, abordando a seguir os conceitos esvaziamento semântico e ressemantização:

Aqui temos, esquematicamente, a representação de um signo em função toponímica, assim como o processo de transformação de uma lexia normal, em lexema e topônimo. No esquema fica claro que a gênese do topônimo (presente no terceiro quadro, no qual se lê “descrição/oralidade”) está num momento de oralidade se e quando o topônimo nasce espontaneamente[10] no seio de um grupo humano, para identificar  e particularizar um determinado elemento geográfico.

A partir do momento que o topônimo se estabelece, não muda mais como signo lingüístico, e por isto é considerado um fóssil lingüístico: não havendo mais mudanças estruturais (por exemplo, morfológicas), o signo permanece intacto. Enquanto o significado do signo ao qual corresponde o topônimo for de domínio do grupo, há a correta decodificação (como no exemplo do esquema, Areia Branca). Mas, quando o topônimo se refere a algo que não mais existe como objeto do mundo (fato social, ambiental ou mesmo da cultura espiritual), o grupo não decodifica o significado, sendo o topônimo, então, vazio de sentido.

Seus semas permanecem intactos, mas, de fato, para o usuário, apenas se mantém o significante. Evidentemente, muitas vezes, o que se fossiliza ou cristaliza como topônimo não é a palavra original, mas há a cristalização da fala ou mesmo da evolução que a palavra sofreu. Como exemplo, citamos o topônimo português Grijó[11] (do latim ecclesiola, segundo Leite de Vasconcelos (1931:321), opaco, esvaziado de sentido. Em sua forma atual, o topônimo não pode ter seu significado atualizado; está, portanto, vazio e, sem a reconstrução etimológica, o que nos resta é apenas o significante.

Um estudo semântico que permita a reconstituição da língua (no intracódigo) e, mais ainda, da própria paisagem e atividades humanas de determinado período (extracódigo), é o resultado de um trabalho direto com a toponímia local. Como meio, esta permite a constituição de um corpus bem estabelecido (tanto no plano cronológico como topológico); como fim, leva à reconstituição de determinados aspectos de uma sociedade.

Assim, a toponímia portuguesa oferece um amplo campo para estudos semânticos e dialetológicos, uma vez que estão implicados todos os elementos etnolingüísticos presentes no nome de lugar. Levando em consideração estes fenômenos, freqüentes em topônimos que apresentam arcaísmos morfológicos, passamos agora à análise propriamente dita de alguns topônimos portugueses.

 

Presença de elementos arcaizantes: análise toponímica

Analisando um recorte da região portuguesa de Aveiro, deparamo-nos principalmente com o fenômeno do esvaziamento e, enquanto falantes de uma variante (PB), com ressemantizações, de acordo com nossa realidade lingüística brasileira. Para ilustrar casos nos quais houve esvaziamento semântico e aparente ressemantização, mencionaremos apenas um topônimo[12], Moldes. Do mesmo modo, apresentamos aqui alguns topônimos que realmente caracterizam casos de arcaísmos morfológicos, por causa de elementos sufixais em desuso.

 

Esvaziamento semântico

Moldes remete, pelo menos, ao período compreendido entre os séculos IX e X. Apresentando duas ocorrências no distrito de Aveiro, Moldes (duas ocorrências), assim como o topônimo Mourisca do Vouga, são das poucas referências que restaram da passagem dos árabes pelo distrito.

Quando à significação, Moldes poderia ser interpretado segundo o significado atual da lexia, aliás, é o que costuma ocorrer no momento primeiro da decodificação do signo toponímico. Trata-se, no entanto, de um caso de lexia homógrafa, isto é, duas formas distintas originaram uma mesma forma grafada.

Lingüisticamente, o significado real esvazia-se, ficando parcialmente oculto (e substituído) pelo significado “homônimo”, uma vez que o significante é o mesmo. Segundo Greimas & Courtés (1983), um vocábulo pode ser considerado polissêmico e homônimo indistintamente[13], o que determinará a diferença é o contexto. A toponímia se vale do contexto extralingüístico para poder determinar as causas das motivações que não ficam guardadas no núcleo sêmico esvaziado, podendo, assim, completar e resgatar o sentido primitivo da denominação.

Moldes provém de muwállad, vocábulo árabe, utilizado para designar uma classe social da época, juntamente aos moçárabes (cristãos que viviam sob o jugo dos muçulmanos) e os mudéjares (termo espanhol que define os árabes que viviam sob o poder cristão):

Como lucidamente frisou Joaquim da Silveira, o vocábulo árabe muwállad teve curso no Andaluz para designar ‘o renegado, o cristão que se converteu ao islamismo, ou seus descendentes’ e aparece na documentação cristã medieva sob a forma móllde ou móllite (...); com origem no árabe muwállad, persistem vivos estes topônimos Moldes.”

Serra (1983: 231) afirma que há aproximadamente vinte ocorrências no noroeste peninsular, porque os muwállads capturados em guerra eram feitos servos, deixando sua marca na região. Neste caso, portanto, esta forma arcaica preservada em um topônimo ajuda a resgatar um aspecto social da sociedade portuguesa na idade média.

 

Os arcaísmos morfológicos

No âmbito deste trabalho, não caberia demonstrar e analisar todos os tipos de arcaísmos morfológicos que ocorrem na amostra estudada. Contudo, não poderíamos encerrar esta comunicação sem mencionar alguns casos de elementos sufixais.

Leite de Vasconcelos (1926:336-337) dizia, a respeito de alguns sufixos presentes na toponímia portuguesa: “(...) são mortos, isto é, já não se empregam como tais, existem apenas como restos de usos passados.” Entre os casos de sufixos que perderam sua função, esvaziaram-se de sentido e hoje constituem arcaísmos morfológicos, temos todas as denominações medievais para propriedades, assim como diminutivos, também medievais.

No dizer de Leite de Vasconcelos, os sufixos que incorporam os topônimos como marca de propriedade são, na maior parte das vezes, vilas ou aglomerados humanos, já presentes nas Inquirições, de 1258. Segundo o autor reitera em várias oportunidades – tanto nos Opúsculos, quanto nas Lições de Filologia, e em vários textos publicados na Revista Lusitana –, os sufixos indicativos de posse, que hoje são arcaísmos morfológicos, viriam dos casos latinos, tanto do nominativo, quanto do genitivo (indicativo de posse por excelência), e até do acusativo.

Assim, entre os sufixos indicativos de posse, em sua maioria provenientes do genitivo, temos topônimos como Algeriz, Chamoim[14] (e assim também Aguim, Cachim, Chavim, Lalim, Jorgim), Lufrei, Gamil. Alguns são reconstituídos (1931:148, 255, 320) por Nunes (apud Vasconcelos), como Chavim < Flavini; Cachim < Flaccini; Chamoim < Flamullini; Lalim < Lalini; Jorgim < Georgini; assim também o são Algeriz < Algerici, Lufrei < Logefredi, Gamil < Galamiri, entre muitos outros; todos reconstituídos numa seção intitulada “nomes de pessoas tornados geográficos” (1931: 231-273).

Também são dados por genitivos alguns topônimos terminados em –ões/-ães[15] (-onis/-anis), confundidos, muitas vezes, com o sufixo aumentativo: neste caso, citamos Gouviães (<Gaudilanis), Telhões (<Tellionis), Ansiães (<Ansilanis), Guimarães (<Vimaranis), Midões (<Midonis).

Por outro lado, os sufixos diminutivos medievais –ô e –ó (aliás, mais freqüentes na toponímia de Portugal que os atuais diminutivos –inho(a)), se apresentam sob um duplo aspecto: além de serem diminutivos latinos tardios, apresentam a alomorfia que ficou, raras vezes, na língua comum para indicar a flexão de gênero, por meio de uma alternância vocálica: lembramos, por Mattoso Câmara Jr. (1988), do par opositivo avô/avó.

Em toponímia, pelas indicações de Leite de Vasconcelos, assim como temos no par avô (masculino) e avó (feminino), seguem a mesma linha (no tocante ao gênero) os diminutivos: os terminados em –ô (-olum/ -olo) são masculinos, e os em –ó (-ola), femininos. Podem, ainda, apresentar-se flexionados em plural. Assim, temos as séries Grijó (< ecclesiola; cf. nota 11), Assilhó[16] (<osseola); Eiró[17], Pardilhó, Vinhó (<viniola); com o masculino, Barrô[18], Paçô, Travassô, Mosteirô, entre outros. Alguns, pois, fixos a radicais transparentes e em uso (como Vinhó, “pequena vinha”; Barrô, “barrinho”; Paçô, “pequeno paço” e Mosteirô, “pequeno mosteiro”; outros, presos a radicais também arcaicos, como Grijó, Assilhó, Eiró, entre muitos outros.

 

Considerações finais

Quanto à morfologia dos topônimos portugueses, aqui apresentados apenas exemplificativamente, a sufixação de origem medieval fornece elementos arcaizantes, que nos permitem alocar o estabelecimento destes topônimos, pelo menos, no século X.

São expressivos os sufixos diminutivos -elo/-ela, (não considerados neste recorte) e -ô/-ó, esvaziados de seu sentido primitivo e equivocadamente interpretados, muitas vezes, apenas como alternâncias vocálicas, principalmente quando a raiz é pretensamente conhecida; neste caso encaixam-se, na maior parte das vezes, topônimos referentes a povoados, como o já mencionado Barrô.

Também são freqüentes, na morfologia dos topônimos portugueses (não apenas os de Aveiro), os sufixos genitivos, resquícios latinos que significavam propriedade de, como, por exemplo, o sufixo -im em Aguim (Aquilina) ou Alvarim (Alvarini), e o sufixo -onis presente em muitos topônimos, como em Midões (Midonis) ou Telhões (Tellionis). Em todos esses exemplos de nomes de povoados, o radical se refere ao nome do então proprietário (no ato denominativo), e o sufixo designa a posse.

Como se percebe pelos exemplos, tanto a expressão quanto o conteúdo apontam para a permanência dos topônimos, evidenciando, assim, traços conservadores e espontâneos na macrotoponímia de Aveiro. A manutenção do léxico toponímico primitivo preserva intactas formas de língua[19] e fatos sociais já desaparecidos há quase dez séculos.

Portanto, por tudo que foi analisado neste artigo, percebemos que a natureza semântica dos topônimos encerra vivos, sob um invólucro ou forma cristalizada, elementos que nos permitem realizar a “reconstrução” de uma sociedade pretérita (seja em seu aspecto geomorfológico ou psicossocial), muitas vezes perdida e revelada por meio destes verdadeiros testemunhos lingüísticos do tempo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALARCÃO, Jorge de. In territorio Colimbrie: lugares velhos (e alguns deles, deslembrados) do Mondego. Trabalhos de Arqueologia. N° 38. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia, 2004. Disponível em www.ipa.min-cultura.pt/pubs/TA/folder/38. Acesso em: 02 jul. 2007.

BIDERMAN, M.T.C. O conhecimento, a terminologia e o dicionário. Ciência e Cultura. N° 2, vol. 58 (abr./ jun.). São Paulo: 2006.

BRUNHES, J. La Geographie Humaine. Paris, 1925.

CÂMARA Jr, J. Mattoso. Dicionário de lingüística e gramática. 17ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

––––––. Estrutura da língua portuguesa. 18ª ed. Petrópolis: Vozes, 1988.

CARVALHINHOS, P.J. Hierotoponímia portuguesa. De Leite de Vasconcelos às atuais teorias onomásticas. Estudo de caso: as Nossas Senhoras. 2005. (Doutorado pelo programa de pós-graduação em Semiótica e Lingüística Geral – Departamento de Lingüística). Universidade de São Paulo, São Paulo.

––––––. A onomástica e o resgate semântico: as antas. Revista Estudos Lingüísticos XXXIII, GEL, 2004.

––––––. Onomástica e Lexicologia: o léxico toponímico como catalisador de fundo de memória. Estudo de caso: os sociotopônimos de Aveiro (Portugal). Revista USP. São Paulo: Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade de São Paulo, p. 172-179, 2003(a).

––––––. Caminho das águas: os hidrotopônimos em Portugal.  Revista Estudos Lingüísticos XXXII, GEL, 2003(b)

––––––. A toponímia portuguesa: um recorte lingüístico do Douro ao Tejo. 1998. 243 p. (Mestrado pelo programa de pós-graduação em lingüística). Universidade de São Paulo, São Paulo.

COELHO, Maria Auxiliadora Lustosa. Linguagem do sertanejo nordestino: uma transgressão à norma culta ou uma cristalização de arcaísmos? Um Estudo de Caso. Revista da FAEEBA. Salvador: Faculdade de Educação do Estado da Bahia UNEB, 1999. Nº 12, p. 239-264.

COSTA, Alexandre de Carvalho. Lendas, historietas, etimologias populares e outras etimologias respeitantes às cidades, vilas, aldeias e lugares de Portugal continental. Boletim Cultural. Lisboa: Junta Distrital de Lisboa, 1968. N. 69/70, p.149-270.

COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1972.

CUNHA, Celso, CARDOSO, Wilton. Estilística e gramática histórica. Português através do texto. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.

DICK, Maria Vicentina de P. do A. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Arquivo do Estado, 1990.

––––––. Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. 2ª ed. São Paulo: 1990.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. 10ª ed. São Paulo: Cultrix, 1998.

GRAÇA, José Maria F. da (org.).  Ovar e seu concelho. Ovar: 1985.

GREIMAS & COURTÉS. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Cultrix, 1983.

PIEL, J.M. Os nomes germânicos na toponímia portuguesa. Boletim de Filologia. Lisboa: Centro de Estudos Filológicos, 1933-1940. V. 2 a 7.

––––––. As Águas na Toponímia Galego-Portuguesa. Boletim de Filologia. Lisboa: Centro de Estudos Filológicos, 1947. V. VIII, fasc. 4.

SAPIR, E. Língua e ambiente. Trad. J. Mattoso Câmara Jr. Lingüística como ciência: ensaios. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1969.

SERRA, Pedro Cunha. O árabe «Muwállad» e sua representação na Península Ibérica. Boletim de Filologia. Lisboa: Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, 1983. Tomo XXVIII. Homenagem a Manuel Rodrigues Lapa - Vol. I. 231-235.

VASCONCELOS, J. Leite de. Opúsculos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1931, vol. III.

––––––. Antroponímia portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1928.

––––––. Lições de filologia portuguesa. 2ª ed. Lisboa: Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1926.

 


 

* Este artigo é fruto de uma reformulação de comunicação apresentada no Congresso Internacional 500 anos de Língua Portuguesa no Brasil (Évora, Portugal) em maio de 2000.

[1] Referimo-nos à nossa dissertação de Mestrado, anteriormente mencionada, defendida em 08 de outubro de 1998 pelo Departamento de Lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP. Nossa dissertação de mestrado (que teve como objeto a toponímia do distrito de Aveiro, Portugal) configura-se parte de um objetivo maior, excedendo o âmbito de um mestrado: verificar quais topônimos portugueses – e, conseqüentemente, qual a ideologia e cosmovisão neles cristalizadas – o colonizador não trouxe ao Brasil.

[2] A toponímia portuguesa tem sido uma constante em nossa vida acadêmica, e a maior parte de nossa produção bibliográfica contempla este tema. Tanto é que nossa Tese de Doutoramento (intitulada Hierotoponímia portuguesa. De Leite de Vasconcelos aos atuais estudos onomásticos. Estudo de caso: as Nossas Senhoras, de 2005 – USP), e nosso atual projeto de pesquisa, referem-se à toponímia portuguesa em Portugal.

[3] Muito embora possamos, obviamente, mencionar e exemplificar com dados de outras regiões de Portugal, sobre tudo por citações de Leite de Vasconcelos.

[4] Segundo Biderman (2006), “(...) ao servir-se de seu patrimônio lexical, muitas vezes o português procede a uma ressemantização de unidades já comuns na língua. A reutilização do vocabulário já existente na língua, atribuindo-lhe novos sentidos, é um recurso usado freqüentemente nas terminologias.” No caso dos topônimos estudados, a ressemantização ocorre por homonímia, o que induz o falante a um “erro” na apreensão do significado do nome de lugar. É estritamente neste sentido que utilizamos o termo ressemantização.

[5] O modelo taxionômico utilizado é o proposto por Dick (1990) e baseia-se na dicotomia evidenciada por Sapir, como já referido. Os topônimos são categorizados, pois, por sua natureza semântica relativamente ao meio físico ou cultural, constituindo ao todo vinte e sete taxes.

[6] No tocante à parte física, observamos a antigüidade do léxico toponímico a partir de dados simples, como a ausência de lexias em detrimento de outras: a lexia pinheiro é quase ausente na fitotoponímia de Aveiro, o que parece ser explicado por não ser uma das espécies própria ao reflorestamento, portanto, muito recente para que a ação humana incorpore estes dados à toponímia local. Citamos Oliveira (apud Graça, 1985: 165) para comprovar esta modernidade, quando o autor menciona o plantio de pinheiros sobre as dunas da região de Ovar: “Essa acção dos ventos era particularmente violenta outrora, antes que a plantação de extensíssimas matas de pinheiro marítimo e de vegetação rasteira adequada – que, em alguns pontos, é muito recente – tenha em grande medida operado a fixação das areias.” Também os hidrotopônimos apontaram para muitos topônimos cristalizados, como em serra da Raiva e no aglomerado humano denominado Ul, topônimo pré-romano.

[7] Topônimos relativos a nomes próprios de pessoas, utilizados neste corpus, principalmente, para designar posse da terra.

[8] Sociotopônimos são aqueles relacionados a instituições sociais e profissões Os fatos sociais antigos ficaram registrados, principalmente, em topônimos relativos a divisões medievais de território, como Agro, Reguengo e Barbitos, ou instituições cujo cunho social desapareceu, ou mesmo à própria instituição, como gafanha. Neste caso, a cristalização de significado gerou o emprego do termo genérico gafanha como termo específico, passando, assim, a incorporar o topônimo propriamente dito. Antigas formas de moradia também remetem a tempos passados, assim como as organizações populacionais ou povoados: são as palhaças e os castros, como moradia, ou os casais e póvoas, como povoados. No geral, os elementos remetem à vida agrícola, em várias taxionomias: é o caso dos aglomerados humanos denominados Arada, Arrota, Grada, Azenha, Dornelas, Fornos, Moinhos, entre muitos outros. Sobre os sociotopônimos de Aveiro, cf. Carvalhinhos (2003: 172-179).

[9] A religiosidade evidenciada na hierotoponímia – não a que refletia apenas os topônimos do período cristão, mas a religiosidade de uma maneira geral – mostrou-se tão rica e diversificada que foi o tema de nossa Tese de Doutoramento (Carvalhinhos, 2005).

[10] Há topônimos que não nascem de forma espontânea, sobretudo nas grandes cidades. São aqueles que geralmente não apresentam relações com o elemento denominado (no geral, elementos da paisagem urbana como ruas, avenidas, elevados), muitas vezes procedendo de um banco de nomes.

[11] Grijó apresenta um sufixo diminutivo medieval,que trataremos em 3.2.

[12] Apesar de nos referirmos aqui a apenas um caso de esvaziamento semântico e ressemantização, por conta do real objeto desta comunicação – os arcaísmos morfológicos -; contudo, já tratamos do assunto em outra oportunidade, em dois artigos: Carvalhinhos (2003 b e 2004).

[13] “A lexicografia opõe tradicionalmente a polissemia à homonímia, considerando homônimos os morfemas ou as palavras distintas quanto ao significado e idênticas quanto ao significante. De acordo com a substância do significante, são denominados homófonos (cela e sela) ou homógrafos (banco de sentar / banco estabelecimento bancário). Na prática, esta distinção entre um lexema polissêmico e dois ou mais lexemas homônimos é difícil de ser mantida, provindo sua justificação, em geral, do uso. Do ponto de vista teórico, pode-se, contudo, considerar que dois ou mais lexemas são distintos, mas homônimos, quando seus sememas não (ou não mais) possuem figura nuclear comum.” Greimas & Courtés, 1983.

[14] Não podemos considerar, contudo, todos os aparente sufixos –im <-ini: Leite de Vasconcelos diz (1931: 254): “Às vezes, porém, não se pode decidir se certos nomes em –im são antigos genitivos, como será este [Lourentim, anteriormente citado pelo autor], se nomes em –ino sincopados em próclise, como Bernardim e Severim.”

[15] Piel (1933-34) dá a terminação –ãis/-ães como elemento étnico, presente, presumivelmente, em topônimos como Cucujães, Escapães, Esmojãis, Fiães, Merlães, Recardãis, Segadãis.

[16] O nome remonta às origens do concelho de Albergaria a Velha, do documento do século XII, intitulado Carta do Couto de Osseloa, de 1117, de D. Teresa ao fidalgo Gonçalo Eiriz.

[17] Note-se que nem todos os topônimos tiveram seus radicais reconhecidos.

[18] Em documento datado de 974 (Portugaliae Monumenta Historica. Diplomata et Chartae. Lisboa: Academia das Ciências. 1867-1873, citado por Alarcão, 2004), aparece, na região de Coimbra, um Barriolo, denominação medieval como o sufixo –olo, atualmente, Barrô.

[19] Este fator revela a tendência conservadora da linguagem escrita, pois apesar de nascida na oralidade, a toponímia de qualquer lugar, enquanto código escrito assegura, tanto qualquer outro texto escrito, fatores de estabilidade da língua – pelo menos na macrotoponímia. Isto comprova a configuração do texto toponímico, escrito em qualquer parte da terra, pronto para ser lido e decodificado por qualquer falante de língua, como qualquer outro texto.