Criação lexical em Agamenon Mendes Pedreira

Juliana Godinho Eccard (UERJ)

 

Os neologismos são fortes aliados na ampliação do léxico. Uma língua viva está em constante transformação e é através dessas transformações que as palavras ora são incorporadas ao léxico, ora são excluídas dele, caindo em desuso.

Neste trabalho, escolhemos o jornal O globo como fonte para o corpus a ser analisado. Os elementos neológicos utilizados foram buscados na coluna humorística do Agamenon Mendes Pedreira, situada no Segundo Caderno. Optamos por trabalhar apenas com os neologismos lexicais formados por composição, os mais produtivos no corpus, com o intuito de organizar um glossário com a análise das palavras selecionadas, sua significação, formação, fonte, contexto e interpretação, se couber.

Partimos do pressuposto de que as palavras novas são aquelas ainda não mencionadas pelo Vocabulário ortográfico da língua portuguesa da Academia Brasileira de Letras, pelo Dicionário Houaiss da língua portuguesa de Antonio Houaiss e pelo Dicionário Aurélio – século XXI de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.

 

Neologismos

As palavras novas são os neologismos, termo composto de neo (novo) e logos (palavra). O neologismo está ligado a todas as inovações nos diversos ramos da atividade humana, seja arte, técnica, ciência, política, economia, comportamento. Ele é algo necessário à sociedade atual, espectadora e participante das mudanças, sedenta por novidades.

O processo de criação lexical é chamado de neologia. Na língua portuguesa, diacrônica e sincronicamente, o neologismo pode ser formado por mecanismos da própria língua ou por itens léxicos provenientes de outros sistemas lingüísticos.

Essa inovação lingüística chamada neologismo pode acontecer de duas formas: criando novos vocábulos, neologismo lexical ou atribuindo um novo significado para o vocábulo já existente, neologismo semântico.

A criação do neologismo se dá pela necessidade do falante num contexto cultural, a necessidade de nomear inovações tecnológicas, no meio científico, e, na literatura, a necessidade do autor em criar um novo vocábulo dentro do seu contexto, atendendo a um propósito intra-lingüístico. O contexto e a intertextualidade são fatores fundamentais no processo de criação, o sentido poderá estar atrelado ao primeiro, ou ao segundo, fazendo assim um jogo intertextual.

O neologismo ocorre devido ao dinamismo da língua, que está viva, podendo ser primário, ainda não existente, ou secundário, formado a partir de um neologismo já existente.

 

Neologismo semântico

O neologismo semântico é formado sem que opere nenhuma mudança formal em unidades léxicas já existentes. Apodera-se de uma forma, já dicionarizada, empregando-lhe um significado ainda não registrado. Por se apropriar de um vocábulo já existente é a maneira mais simples e econômica de surgimento de uma nova palavra.

A neologia semântica revela-se de diferentes maneiras. A mais usual ocorre quando se verifica uma mudança no conjunto dos semas referentes a uma unidade léxica. Por meio dos processos estilísticos da metáfora, da metonímia, da sinédoque etc, vários significados podem ser atribuídos a uma base formal, transformando-se em novos itens lexicais.

No contexto abaixo, o mecanismo da transposição metafórica é responsável pela criação do neologismo semântico sogra (galinha): “Hoje não é um domingo qualquer, daqueles que você vai com a família na casa do frango comer uma sogra assada com macarronada.” (O Globo, 01/10/06, 2º cad.)

Um outro tipo de neologismo semântico ocorre quando um termo, característico de um vocábulo, extrapola os limites desse vocábulo e passa a integrar outra terminologia ou a fazer parte da língua geral. Da mesma maneira, a passagem de um elemento da língua corrente para um vocábulo específico é igualmente possível. Temos como exemplo a expressão Meio Campo, própria do vocabulário esportivo, presente no contexto político para designar um Ministro no trecho abaixo.

“... os candidatos para os novos cargos da República: (...) .Ministro  do Meio Campo” (O Globo, 29/10/06, 2º cad.)

No vocábulo giriático, criado com a intenção de dificultar a compreensão por parte daqueles que não integram um determinado grupo, a neologia é muito produtiva. São os chamados neologismos populares, que não passarão de um modismo passageiro, um conjunto de termos provenientes das diversas linguagens especiais de grupos. A gíria denomina as coisas mais com o sentimento, do que com a razão, dando-lhes uma conotação especial. É o que ocorre com o neologismo popozuda (bunda grande) em:

“Naqueles loucos anos bolcheviques, comi várias militantes popozudas sem distinção ou conflito de classe”. (O Globo, 17/12/06, 2º cad.)

A difusão do neologismo semântico, o que prova sua aceitação pela comunidade lingüística, conduz à inclusão da nova acepção nos dicionários. Assim, ao significado básico de um item léxico vão-se acrescentando os que vierem a ser criados pelo processo da neologia semântica e, quando isso acontece, o vocábulo não mais é considerado neologismo.

 

Neologismo lexical

O neologismo lexical, base de nossa análise, caracteriza-se pela formação de um novo vocábulo a partir dos mecanismos já existentes na língua. É também chamado de neologismo sintático, pois se forma pela combinação de elementos do sistema lingüístico português.

Os neologismos lexicais são classificados de acordo com seu processo de formação, em: derivados e compostos. O corpus analisado apresenta os dois tipos de composição.

Na formação por derivação temos o termo desmonetarizado ao qual se juntou um prefixo des- e um sufixo -izado a base monetário para indicar que o sujeito de quem se fala não possui dinheiro, ou seja, está não monetarizado, desmonetarizado. Esse exemplo nos prova que podemos criar um neologismo a partir de outro.

“Enquanto jornalista demonetarizado que recebe o programa assistencial Bolsa Sacola...” (O Globo, 12/11/06, 2º cad.)

E, na formação por composição, temos como exemplo o caso do vocábulo gráfico-pizza, em que o autor, para dar o resultado de uma pesquisa, utiliza um gráfico em formato de pizza.

“Na política tudo acaba em gráfico-pizza.” (O Globo, 08/10/06, 2º cad.)

As regras de construção dizem respeito ao que chamamos de neologismo formal, vocábulos que ainda não constam no verbete dos dicionários. Os processos de formação de neologismos são os mesmos já existentes na língua.

 

Os processos de formação de palavras

A derivação ocorre quando a uma base se prende um afixo. Se o afixo aparecer antes da base, chamamos de prefixo; se depois, de sufixo.

Exemplos:

1) prefixo re- (de novo) + ereção = reereção

“Luísque Inácio Lula da Silva, candidato à reereção” (Gl, 29/10/06, 2º cad)

 

2) Lula (antropônimo) + sufixo -ista (simpatizante) = lulistas    

“Os lulistas dizem que o Geraldo Walkman vai privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, a Petrobrás, o Corinthians e a Igreja Universal do Reino de Deus.” (Gl, 15/10/06, 2º cad.)

Os estrangeirismos constituem os empréstimos de outras línguas que enriquecem o idioma. A palavra estrangeira, ao ser incorporada à língua, é um neologismo por adoção. Atualmente temos uma demanda muito grande de entradas de anglicismos na língua portuguesa. O texto de Agamenon não poderia ser esquecido, pois adere aos estrangeirismos popstars e fashion.

A nova moda entre as celebridades popstars endinheiradas do Primeiro Mundo é adotar uma criança bem miserável, quanto mais pobre e indigente melhor. (...) Mas, para ficar na moda fashion mesmo, não basta adotar o órfão despossuído: tem que contratar o Sebastião Salgado para fazer o álbum de família. (O Globo, 22/10/06, 2º cad.)

A derivação imprópria ou conversão ocorre quando mudamos a classe gramatical das palavras, por esse motivo ela sempre dependerá do contexto para ser identificada. Temos o exemplo de tartaruga (lenta) que de substantivo passa a adjetivo no contexto a baixo.

“Prejudicados pela operação tartaruga dos controladores de vôo brasileiros, os irmãos Wright tiveram que esperar horas para decolar, o que acabou atrasando muito a História da Aviação” (O Globo, 19/11/06, 2º cad.)

A formação de palavras pelo mecanismo da composição apresenta-se de maneira bastante fecunda. A composição consiste na justaposição ou na aglutinação de bases autônomas ou não. As unidades léxicas compostas, que funcionam morfológica e semanticamente como um único elemento, não costumam manifestar formas recorrentes, o que as distingue da unidade constituída por derivação. Revelam um caráter sintático subordinativo ou coordenativo, quando numa estrutura binária temos um elemento que é o núcleo e um elemento que é o especificador, o adjunto.

A composição ocorre quando a união de duas palavras (bases), referindo-se a outro conceito, passa a ser encarada como um novo termo. A palavra composta representa uma idéia única e autônoma, diferente das idéias reveladas pelos termos que a compõe.

A composição por justaposição ocorre quando os radicais mantêm sua integridade fonética e a composição por aglutinação quando há perda de um ou mais elementos e subordinação a um único acento tônico.

O cruzamento vocabular é um tipo de composição em que as bases, ou a base, que entram na formação da nova palavra sofrem redução, não sistemática ou regular, de seu corpo fônico. Não há regra quanto ao corte, mas é preciso respeitar a estrutura silábica da língua. As produções de cada forma são como que artesanais.

Uma característica dos cruzamentos vocabulares é a sua especificidade semântica, isto é, eles vêm muitas vezes carregados de emocionalidade e ironia. O status ou destino dessas criações no código lingüístico de uma comunidade se dará no seu próprio fim, como criação artística, carregada de jocosidade, ironia ou desapreço ao momento ou contexto para o qual ou no qual foram criados. No cruzamento vocabular, ou morfológico, temos a aglutinação neológica, que também podemos chamar de palavra-valise.

Na análise do glossário, veremos os exemplos referentes ao processo de composição e cruzamento vocabular.

 

Neologismo na literatura e no humor

Na literatura o neologismo é usado para expressar a intensidade do que o autor quer dizer. A linguagem literária exerce sobre a cotidiana grande influência. Todos os gramáticos utilizam exemplos dos autores consagrados em seus textos. O leitor reconhece a autoridade do escrito nos domínios da linguagem, motivo pelo qual os usos e inovações na literatura são aceitos.

Os neologismos no registro humorístico são muitas vezes adaptados e assimilados pelo sistema.  A linguagem humorística articula-se com base numa combinação de palavras, numa mistura de componentes que sugerem dois ou mais sentidos, os quais parecem propositadamente entrechocar-se. No humor lexical é possível observar que a escolha dos elementos lingüísticos num dado enunciado humorístico projeta várias significações, apresentando colocações que fazem coexistir planos semânticos diversos numa mesma frase.

Como o objetivo do humor é provocar o riso, freqüentemente ele utiliza elementos lingüísticos dotados de ambigüidade, ironia e polissemia e, como não poderiam faltar, neologismos. Os neologismos são usados num jogo de palavras, muitas vezes, não por necessidade de expressão, mas por pura ironia e de zombaria com algum elemento do contexto.

Os neologismos de Agamenon se enquadram nesse item perfeitamente. São neologismos advindos de uma literatura jornalística humorística, que tem como objetivo brincar com os fatos que foram notícias na semana ironizando e zombando de tudo o que escreve.

 

Glossário

1. Termo: Aerolula

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 15/10/06.

Informações gramaticais: substantivo masculino.

Contexto: Desesperado com a pesquisa Datatrolha, Walkman pediu emprestado o Aerolula para ver se a sua campanha decola novamente.

Comentários explicativos: designa o avião do presidente Lula.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por justaposição:

elemento de composição aer(o)- - aéreo; Lula s.m. – nome próprio.

Observação: em outros momentos o mesmo termo aparece grafado com letra minúscula: aerolula; na forma: AeroLula e também como parte do nome do presidente: Luiz Inácio Aerolula da Silva. Ainda para nomear o avião temos a palavra Aeromula (O Globo, 10/12/06, 2º cad.). Mais uma vez o autor se refere ao avião, criando o vocábulo Aeronácio (O Globo, 10/12/06, 2º cad.), só que agora a criação compõe o nome do presidente “o presidente Luiz Aeronácio Lula da Silva”.

 

2. Termo: Aeronautitica

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 10/12/06.

Informações gramaticais: substantivo feminino.

Contexto: Para não dizer que não está fazendo nada, o presidente sem exercício convocou os comandantes da Aeronautitica para tomar uma providência.

Comentários explicativos: diz que a Aeronáutica é uma titica.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

Aeronáutica s.f. – Aviação militar de um país; titica s.f. – merda.

 

3. Termo: afro-descendente

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 24/12/06.

Informações gramaticais: adjetivo.

Contexto: Só com mensalão, obras superfaturadas, ocorrências fraudulentas, assessores e lobistas, os deputados gastam uma nota preta, quer dizer, uma nota afro-descendente.

Comentários explicativos: uma nota descendente de africanos, ou seja, negra, preta.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por justaposição:

afro adj. – africano; descendente adj. – que ou aquele que possui uma determinada origem.

Observação: os termos afro e descendente aparecem em análise anterior nos neologismos: afro-africanos (O Globo, 16/07/06, 2º cad.), afro-escurecido (O Globo, 30/07/06, 2º cad.), tição-descentdentes (O Globo, 30/07/06, 2º cad.), afro-órfãos (O Globo, 22/10/06, 2º cad.) e afro-tropicalista (O Globo, 05/11/06, 2ºcad.).

 

4. Termo: Asnácio

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 08/10/06.

Informações gramaticais: substantivo masculino.

Contexto: Depois da apuração, o presidente Luísque Asnácio Lula da Silva reconheceu que estava de assalto alto.

Comentários explicativos: o autor chama Lula de burro, asno.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

Inácio s.m. – nome próprio; asno sm –  indivíduo desprovido de inteligência; burro.

Observação: o mesmo termo já apareceu em análise anterior (O Globo, 27/08/06, 2º cad.) com o mesmo sentido.

 

5. Termo: astro-mala

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 31/12/06.

Informações gramaticais: substantivo masculino.

Contexto: Na verdade, o astro-mala brasileiro pretendia apenas fazer uma homenagem a Alberto Santos-Dumont, que foi o Pai, a Mãe e a Tia da Aviação.

Comentários explicativos: qualifica os astronauta como um mala.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

astronauta s.2g. – pessoa que navega através do espaço; mala s.2g. – pessoa extremamente enfadonha, chata.

Observação: o vocábulo Santos-Dumont aparece grafado com hífem, constituindo apenas um elemento, portanto uma composição por justaposição.

 

6. Termo: boca-de-garrafa

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 31/12/06.

Informações gramaticais: adjetivo.

Contexto: Embriagados pelas pesquisas de boca-de-garrafa, Luís Manguácio Lula da Silva mandou avisar que vai tomar todas na noite de réveillon.

Comentários explicativos: relativo a bebidas alcoólicas.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por justaposição:

boca s.f. – abertura de garrafa; de – preposição; garrafa s.f. – vaso com gargalo estreito e destinado a conter líquidos.

Observação: pesquisas de boca-de-garrafa se referem às pesquisas de boca-de-urna.

 

7. Termo: Cachácio

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 15/10/06.

Informações gramaticais: substantivo masculino.

Contexto: A produção brasileira de cana-de-açúcar cresceu mais de 456%, só para atender ao consumo pessoal do presidente Luísque Cachácio Lula da Silva .

Comentários explicativos: o termo diz que o presidente Inácio costuma beber cachaça.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

Inácio s.m. – nome próprio; cachaça s.f. – bebida alcoólica, aguardente.

Observação: o corpus apresenta vários vocábulos que relacionam o nome do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, com a bebida, como Caipirinássio (O Globo, 05/11/06, 2º cad.) e Manguácio (O Globo, 31/12/06, 2º cad.).

 

8. Termo: DataBolha

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 15/10/06.

Informações gramaticais: substantivo feminino.

Contexto: O Instituto DataBolha pesquisou todos os grotões e cavernas do fundo do mar e constatou que os Furtos do Mar apóiam a candidatura Lula .

Comentários explicativos: muda o sentido do nome do Instituto de Pesquisa  Datafolha, para uma pesquisa destinada aos elementos marítimos.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

Datafolha s.f. – nome próprio do Instituto de Pesquisa; bolha s.f. – glóbulo de ar.

Observação: o substantivo bolha, nesse contexto, tem duplo sentido: bolha de ar e pessoa enfadonha. Em outro momento Agamenon cria um vocábulo semelhante a este, Datatrolha (O Globo, 15/10/06, 2º cad.).

 

9. Termo: Henlouquisa

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 01/10/06.

Informações gramaticais: verbo 3ª pessoa do singular / substantivo feminino.

Contexto: Já a candidata do PSOL e da TPM, Henlouquisa Helena, afirma que o Brasil perdeu uma oportunidade histérica de eleger, pela primeira vez na República, uma mulher descontrolada de esquerda para a Presidência.

Comentários explicativos: o termo originário tem o objetivo de chamar a candidata à presidência do Brasil de enlouquecida.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

Heloísa sf. – nome próprio; enlouquecida adj. – que enlouqueceu; endoidecido, ensandecido, louco.

Observação: ocorre a junção do prenome Heloísa com o adjetivo enlouquecida e ainda a sufixação com o acréscimo do sufixo nominal formador de feminino –isa, originando Henlouquisa.

 

10. Termo: Infraerro

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 10/12/06.

Informações gramaticais: substantivo feminino.

Contexto: As autoridades da Anarc e da Infraerro já avisaram a população: pra virar uma baderna descontrolada, a situação nos aeroportos ainda precisava melhorar muito, e isso só vai ser possível depois do Natal.

Comentários explicativos: refere-se ao erro cometido pela Infraero.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

Infraero – sigla de Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária; erro s.m. – ato de errar.

 

11. Termo: jaéro-portuária

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 10/12/06.

Informações gramaticais: adjetivo.

Contexto: Mas o brasileiro, sempre criativo e picareta, já arrumou um jeitinho para contornar a crise jáero-portuária.

Comentários explicativos: a crise aeroportuária já era.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular e por justaposição:

elemento de composição aer(o)- - aéreo; expressão giriática – já era; portuária adj. – relativo a porto.

Observação: no neologismo em questão (que utiliza acento gráfico fora da convenção por necessidade de clareza), primeiro ocorreu uma aglutinação entre a expressão “já era” e o elemento de composição aer(o), resultando em jáero; depois uma composição por justaposição entre os vocábulos jáero e portuária.

 

12. Termo: Luísque

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 01/10/06.

Informações gramaticais: substantivo masculino.

Contexto: Luísque Inácio Lula da Silva

Comentários explicativos: o termo originário dá ao sujeito Luís, prenome do atual presidente da República, a qualificação de: aquele que bebe uísque.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

Luís sm. – nome próprio; uísque sm – bebida destilada que contém álcool, obtida a partir da fermentação de cereais.

Observação: este vocábulo é o de maior ocorrência no corpus.

 

13. Termo: ministra-jujuteira

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 03/12/06.

Informações gramaticais: substantivo feminino.

Contexto: Por falar em pé na jaca, quem também chutou o balde foi a ministra-jujuteira Ellen Gracie, que começou a sua carreira no judiciário na Vara de Família Gracie, o tradicional clã de violentos lutadores marciais.

Comentários explicativos: uma ministra da justiça que luta judô e ainda é alcoviteira.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por composição e aglutinação, cruzamento vocabular:

ministra s.f. – mulher que exerce função de ministro; justiça s.f. – o poder judiciário; judô s.m. – jogo esportivo de combate e defesa; alcoviteira s.f. – intrigante.

Observação: no segundo elemento ocorre a aglutinação de sílabas de várias palavras: o primeiro ju- de justiça, o segundo ju- de judô e o sufixo -eira de alcoviteira. O corpus ainda apresenta outro vocábulo formado pela palavra ministro: ministro-compositor (O Globo, 05/11/06, 2º cad.).

 

14. Termo: nipo-oriental

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 01/10/06.

Informações gramaticais: adjetivo.

Contexto: Este perigoso passatempo de origem nipo-oriental está destruindo o pavilhão lombo-lortal de milhares de pessoas que passam o dia sentadas praticando o enigmático joguete.

Comentários explicativos: o novo vocábulo enfatiza a raça japonesa com o uso de duas palavras referentes aos japoneses.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por justaposição:

nipo sm. – antepositivo, do top. jap. Nippon; oriental adj. – relativo ao oriente.

Observação: em análise anterior verificamos que o termo nipo aparece em outras construções de Agamenon, com: nipo-amarela (O Globo, 25/06/06, 2º cad.).

 

15. Termo: psicoproctologista

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 29/10/06.

Informações gramaticais: adjetivo.

Contexto: Debate dos candidatos Luísque Inácio Lula e Gelado Alckmin com o consagrado psicoproctologista Dr. Jacintho Leite Aquino Rego, mediador.

Comentários explicativos: médico psicólogo e proctologista.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por justaposição:

elemento de composição psic(o)- -‘alma’ , ‘espírito’, ‘intelecto’;

proctologista s.2g. – especialista em proctologia.

Observação: em outro momento o termo aparece grafado psicoproctologist, como se fosse um estrangeirismo. Existe mais um vocábulo formado com o elemento de composição pisic(o): psico-assessor (O Globo, 01/10/06, 2º cad.).

 

16. Termo: Vitalinácio

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 05/11/06.

Informações gramaticais: substantivo masculino.

Contexto: Graças a milhões. De votos, o presidente Luiz Vitalinácio Lula da Silva foi reeleito.

Comentários explicativos: o Inácio ainda tem seu cargo vitalício, no sentido de vivo, na presidência.

Tipologia neológica: neologismo lexical.

Processo de formação: composição por aglutinação, cruzamento vocabular:

vitalício adj. – que tem garantia de vitaliciedade; Inácio – nome próprio.

Observação: boa parte das criações se refere ao nome do presidente Lula.

 

Considerações finais

Não basta a criação do neologismo para que ele se torne membro integrante do acervo lexical de uma língua. É a comunidade lingüística, pelo uso do elemento neológico ou pela sua não-difusão, que decide sobre sua integração ao idioma. O bloqueio também influenciará na formação de novas palavras. É ele que vai dizer quando uma regra de formação de palavras é frustrada ou bloqueada por se posicionar a um lugar já ocupado.

Se for freqüente, o neologismo é inserido em obras lexicográficas e considerado parte integrante do sistema lingüístico, deixando de ser neologismo. O dicionário simboliza o parâmetro, o meio pelo qual decidimos se um item léxico pertence ou não ao acervo lexical de uma língua, formando também seu corpus de exclusão.

Agamenon Mendes Pedreira é um personagem que os autores da coluna criaram para assiná-la. Verificamos que ele é criativo e a todo o tempo brinca com as palavras para zombar de alguém e, que, na maioria das vezes, emprega uma palavra no lugar de outra, com a qual possua semelhança fonética, para provocar o riso e a graça.

Neste trabalho só apresentamos 16 exemplos, mas o corpus completo foi composto de 66 vocábulos, nos quais se observou que os processos de composição por justaposição e por aglutinação estão equilibrados, ocorrem na mesma medida. Em alguns casos observamos que, para a construção por justaposição, primeiro se formou um vocábulo por aglutinação. Os antropônimos foram muito freqüentes também, o que caracterizou o humor e a brincadeira com as pessoas citadas, principalmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As palavras-valise se encaixaram perfeitamente no humor de Agamenon na brincadeira com as palavras, praticamente todas as aglutinações são cruzamentos vocabulares. O número de neologismos nos prova o quanto o humor “agamenístico” é criativo.

Os neologismos aqui apresentados foram criados com um fim estilístico, intencional, causando a ironia. E, por ser o humor, em especial o do Agamenon, um artefato que agrada a comunidade lingüística, tem grande chance de ser difundido, embora dificilmente venha a ser dicionarizado devido ao propósito para o qual foi criado.

Verificamos, através do jornal e do humor, o quanto a língua portuguesa do Brasil está viva e sujeita a modificações.

 

Referências BIBLIOGRÁFICAS

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