a gramaticalização de dar
de verbo-predicador a verbo-suporte

Giselle Aparecida Toledo Esteves (UFRJ)

 

Uma análise superficial do uso da língua em diversos contextos sociolingüísticos já indica a polifuncionalidade do verbo dar no português. Contudo, dar geralmente é tratado apenas como verbo predicador na maioria dos dicionários e gramáticas normativas da língua portuguesa, um item lexical que, independentemente de fazer parte de um predicado complexo ou não, é o único responsável pela atribuição de papel temático ao(s) seu(s) argumentos: “(...) sua amasia deu-lhe um chá.” (Português Brasileiro escrito, notícia., E-B-91-Jn-004)

O processo de gramaticalização (Hopper, 1991) permite que formas lingüísticas consideradas lexicais passem à categoria de elementos gramaticais. Isso é observado quando há a transferência categorial do verbo dar, de predicador para verbo-suporte. Este é uma extensão de sentido/uso de um verbo predicador, possui comportamento léxico-gramatical e se associa a um elemento não-verbal, partilhando com este a função de projetar argumentos e atribuir-lhes papel temático: “operandum auxiliar de verbalização de elemento não-verbal” (Machado Vieira, 2001).

“ela andava segurando na gente, ela ficou comigo, sabe? Eu trazia, eu  dava banho, sabe?” (Português Brasileiro oral, PEUL, inquérito 29)

A amostra de dados foi extraída de entrevistas e textos jornalísticos brasileiros e portugueses e analisada com base nos pressupostos da Gramática Funcional (Dik, 1997), na proposta de categorização fundamentada (Taylor, 1995), e em alguns parâmetros de gramaticalização (Hopper, 1991).

Verificou-se que o verbo dar pode ser funcionalmente categorizado em um continuum de gramaticalização que abarca as categorias de verbo predicador pleno, predicador não-pleno, verbo predicador a verbo-suporte, e verbo-suporte.