Experiência e criação literária
no
Cemitério dos vivos de Lima Barreto

Monique Lopes Inocêncio (UFRJ e FCRB)

 

No dia 25 de dezembro, data bastante simbólica para a tradição cristã, na qual se comemora o aniversário de Jesus Cristo, o escritor carioca Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) era conduzido a um ambiente que nada fazia lembrar o clima de comemoração que se costuma realizar na data. O ano era de 1919 e ocorria a sua segunda internação no Hospício Nacional, ou Hospício Pedro II, como era então chamado. Sob o diagnóstico de neurastênico e alcoólatra, o “rebelde” escritor fora recolhido ao confinamento na terrível instituição.

E foi essa permanência dolorosa que inspirou a criação de dois textos significativos para compreendermos a vida e obra deste atormentado romancista, contista e cronista, a saber: Diário do hospício – relato das experiências vividas pelo autor e demais internos da instituição e O cemitério dos vivos – romance inacabado, baseado nas mesmas experiências de convívio com a loucura e com todo um olhar que a ciência da época tinha sobre ela. Ambas as obras foram organizadas em um mesmo volume e editadas pelo biógrafo e pesquisador da obra barretiana Francisco de Assis Barbosa, em 1956.

Pretendemos construir algumas hipóteses de leitura dos textos em questão, tendo como ponto de partida duas questões principais: a primeira diz respeito à relação entre experiência pessoal / biográfica e criação literária / ficcional, relação esta que, no caso de Lima Barreto, pode ser fortemente percebida, não só nas narrativas às quais nos dedicamos neste trabalho, como em vários de seus escritos ficcionais, fato que não elimina nem compromete a criatividade do autor.