Os Pobres em encruzilhadas de histórias:
tudo em fragmentos na obra de Raul Brandão

Eloísa Porto Corrêa (UERJ e UFRJ)

 

A narrativa Os Pobres inicia-se no enxurro, de onde o narrador faz saltar cada personagem em seu mesquinho drama particular. As peripécias e os personagens eleitos pela instância narradora, ao mesmo tempo trágicas, banais e fragmentadas, são captadas da nulidade, do anonimato, do isolamento, durante seu processo de coisificação, sua trajetória de desgraças pelo mundo.

Todas essas existências, sem exceção, emergem desse enxurro, integram a narrativa e novamente nele afundam, submergem na lama, de onde, na verdade, nunca saíram, permanecendo sempre nas águas da desgraça. Desta forma, cada personagem consiste em parte integrante de uma massa, constituindo “um único corpo com a multidão” (enxurro), “em meio ao ir e vir dos movimentos, em meio ao fugidio e ao infinito”. O enxurro é, pois, como aquele “imenso reservatório de energia elétrica” de que fala Baudelaire, no seu “Pintor da vida moderna”.

A trama se constrói a partir de um emaranhado polifônico (como numa ladainha) de fragmentos entrecruzados de trajetórias, de personagens desgraçadas, de existências ficcionais decadentes, em diferentes cronotopos picotados, em cenários degradados e degradantes. Cada desgraça individual e isolada vai gradativamente se contextualizando, no entrecruzamento das histórias e das desgraças, até que todas mergulham novamente no mesmo enxurro, unidas pela miséria e pela indigência, igualando-se e anulando-se ou igualando-se na desgraça e na nulidade.