Retórica, metafísica e verdade
a condição heteronímica do homem

Gabriel Cid de Garcia (UERJ)

 

Desde a aurora da história do pensamento, a razão tem sido associada e confundida com algo de superior, distinguindo-se como uma faculdade de um sujeito que pode, por meio da reflexão, formular alguma verdade que seja universalmente válida. A heteronímia pessoana, à medida que confere uma diversificação de vozes que reclamam lugares diferenciais para o surgimento de um sujeito que é desde sempre múltiplo, nos permite rever a própria constituição dos discursos verídicos, pensando a própria história da metafísica ocidental como uma exímia construção retórica de domesticação do pensamento. Pessoa e seus heterônimos expressam a existência de uma homonímia fundamental entre certeza e incerteza, admitindo o âmbito do falso, do fingimento, como anterior ao sujeito constituído da modernidade. Como a linguagem não pode ser dissociada de aspectos retóricos inconscientes, é possível pensar uma condição heteronímica para o homem, animada por uma potência impessoal que reenvia à razão seus aspectos afetivos, particulares e poéticos. Ainda que se escreva como um fingidor, este reclama para si sua realidade heterônoma, evidenciando as potências retóricas que produzem seus efeitos e elegem, no lugar de um mundo guiado pela imutabilidade de critérios de verdade, as aparências e ilusões que o povoam e o constituem.