HOMENAGEADO DO XXV CNLF
A Semana
de Arte Moderna de 22: uma mirada 100 anos depois
(PUBLICADO POR VIC EM JANEIRO
31, 2022 | ATUALIZADO EM FEVEREIRO 4,
2022)
Entre os dias 11 e 18 de
fevereiro de 1922 o Theatro Municipal de São Paulo se preparou para receber
a Semana de Arte Moderna. O evento é símbolo de uma série
de renovações e mudanças na arte brasileira que escandalizou desde sua
abertura e segue reverberando como uma das principais referências culturais do
século XX.
É fato que a Semana não
é uma ilha isolada na história da arte brasileira, ela sucede inúmeros
antecedentes. De modo mais amplo, foi influenciada pelas vanguardas
europeias, tanto enquanto linguagem plástica como
vontade revolucionária. Também as questões políticas e sociais no
Brasil possibilitaram a fertilização de um terreno de transformação: a
industrialização de São Paulo, sua subsequente colocação como centro econômico
e a consolidação do capitalismo, que evidenciava desigualdades e violências que
incomodavam os artistas. Esse cenário foi aliado à vontade por uma discussão da
estética nacional como autêntica fazendo eclodir o acontecimento.
A Semana foi
viabilizada com o financiamento da oligarquia paulista, uma grande manobra
política no contexto da República Velha (1889–1930). Era projeto de interesse
da elite paulista cafeeira fazer de São Paulo uma referência de criação
artística, até então o Rio de Janeiro centralizava as grandes academias de
belas artes, a oligarquia pretendia ser parte de um evento de projeção nacional.
De modo mais particular, a
articulação dos artistas do chamado movimento modernista brasileiro é
fundamental enquanto organização, propagação e participação na Semana.
Romper com tradições, a busca pela liberdade de criação e pela justiça social
eram ideias do movimento que tentou sintetizar em um grande evento.
Diante do contexto geral em que
a Semana estava inserida, é comum nos perdermos nas fronteiras
dos acontecimentos entre o movimento e o evento, por isso hoje a Artsoul preparou
uma retrospectiva exclusiva do evento.
A Semana de Arte Moderna
de 1922 foi um evento cultural amplo, almejando a consolidação de um
movimento que articularia a renovação das linguagens usuais. Àquele momento, o
parnasianismo era tido como escola artística oficial do Brasil, o que ligava a
criação brasileira ao rigor formal academicista, os modernistas então
planejaram um evento que valorizaria a experimentação e a liberdade, explorando
diversos aspectos da cultura.
Podemos definir como comissão
organizadora da semana os artistas Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ronald de Carvalho, Graça
Aranha e o mecenas Paulo Prado.
A vontade de experimentação deste
núcleo duro da Semana aparece na programação: espontânea,
aberta e sem muitas amarras a proposta era mostrar ao público as inúmeras
possibilidades do fazer artístico e escandalizar o conservadorismo acadêmico,
haveria dança, música, recital de poesias, exposição de obras e palestras.
Dessa forma, o denominador comum entre os artistas convidados era apenas o fato
de buscarem uma orientação não acadêmica em seu trabalho.
Todo planejamento gráfico e
programação visual da Semana esteve a cargo de Di Cavalcanti, que optou por uma comunicação simples e rápida.
Na capa do catálogo, estão apenas as informações cruciais, há o desenho de uma
silhueta feminina, sem compromisso com rigor formal e rodeada por uma densa
vegetação, a composição em preto e branco forma uma típica produção moderna.
Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte
Moderna, desenhado por Di Cavalcanti. (Imagem: Acervo/Theatro Municipal de São
Paulo)
O objetivo geral da Semana era
proferido como destrutivo: a busca pelo fim do que até então era legítimo
enquanto criação artística. Aracy Amaral, grande crítica, curadora e referência em pesquisa
acerca do modernismo, revela em seu livro Artes plástica na Semana de
22, que Mário de Andrade clamava “pelo direito permanente à pesquisa
estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização
de uma consciência criadora nacional.”
O evento havia sido previsto para
durar sete dias, de 11 à 18 de fevereiro, como foi anunciado nas primeiras
divulgações, contudo ele abriu apenas em três dias alternados: 13, 15 e
17.
No dia 13 de fevereiro aconteceu
a abertura oficial, com a conferência do escritor Graça Aranha intitulada A
emoção estética da Arte Moderna, ocorreram também outras conferências
como A pintura e a escultura moderna no Brasil de Ronald de
Carvalho e também solos de piano de Ernani Braga.
O Theatro Municipal de São Paulo
estava cheio neste dia dedicado às pinturas e esculturas. A exposição das obras
no saguão gerou desconforto em boa parte do público, a ponto de diante do
estranhamento as pessoas questionarem se as obras estavam penduradas do lado
correto.
A mostra contou com nomes
importantes da pintura como: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac,
Zina Aita, Martins Ribeiro, Oswaldo Goeldi, Regina Graz, John Graz, Castello,
J. F. de Almeida Prado, Vicente Rego Monteiro e outros. A artista Tarsila
do Amaral, apesar de ser figura essencial no movimento modernista, estava em
Paris à data e não participou deste evento.
O homem amarelo, Anita Malfatti, 1917. Fonte:
wikiart
É crucial pensarmos no papel de
Anita Malfatti, especialmente da obra O Homem Amarelo. Este sujeito
melancólico e desajeitado de pinceladas ligeiras e expressão densa esteve na
sua exposição individual de 1917, aquela que recebeu duras críticas do escritor
Monteiro Lobato e foi um antecedente decisivo da Semana e do
desenvolvimento do movimento.
Paisagem de Espanha, John Graz, 1920. Fonte: Itaú
Cultural.
Com a simplificação das formas e
o uso de uma cartela cromática que equilibrava força e leveza, Paisagem
de Espanha foi uma das telas do Suiço John Graz que marcou sua
presença com um cubismo autêntico.
Em contraste com as paisagens
europeias, o pernambucano Vicente do Rêgo Monteiro é um dos primeiros a evocar
assuntos brasileiros em suas telas. Cabeças de Negras evidencia
esse tema e também se destaca por, sobretudo, se assemelhar a plasticidade e
delicadeza impressionista, valorizando a luz para compor a tela.
Cabeça de Negras, Vicente do Rêgo Monteiro, 1920.
Fonte: Itaú Cultural.
Assim como as pinturas evidenciam
a heterogeneidade de artistas, o mesmo se deu entre os três escultores da
semana: Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso e
Haarberg. Cada um à sua maneira, produzindo figuras escultóricas distantes das
concepções clássicas, como as estilizadas figuras de Brecheret.
Cabeça de Cristo, Victor Brecheret, 1920. Fonte:
Brainly.
O dia 15 foi tomado pelas vaias e
insatisfação generalizada do público. Dedicado à literatura, no segundo dia
houve a polêmica palestra em que Mário de Andrade defendeu o abrasileiramento
da língua portuguesa, que resultou na publicação de A escrava que não é
Isaura. Menotti del Picchia também elevou os ânimos da plateia com sua
conferência sobre a estética moderna.
Na programação do sarau, Manuel
Bandeira iria declamar Os sapos, crítica ao vigente parnasianismo,
entretanto o poeta ficou doente e a declamação foi feita por Ronald de
Carvalho, recebida também com vaias.
Álvaro Moreyra, Elysio De
Carvalho, Oswald de Andrade, Renato Almeida, Luiz Aranha, Ribeiro Couto,
Deabreu, Agenor Barbosa, Rodrigues de Almeida, Plínio Salgado e Sérgio Milliet
são alguns dos nomes que estiveram presentes na cena literária.
O dia terminou com aplausos
diante dos números de dança de Yvonne Daumerie e do concerto de piano de
Guiomar Novaes.
O evento de encerramento da Semana foi
dedicado à música. Peças de Villa-Lobos foram executadas pelos diversos músicos
participantes. O dia mais calmo do evento, com menos ruídos em vaias, não
deixou escapar as críticas ferrenhas dos conservadores, que atacaram Villa
Lobos até por estar sem um sapato. No fim o que foi lido como falta de classe
era apenas um dolorido calo.
Monteiro Lobato seguiu sendo
grande opositor do movimento modernista, teceu críticas a Semana como
continuidade de um projeto prejudicial à arte, decadente.
Quanto ao público geral, houve
bastante resistência. A linguagem, por ser novidade, não foi muito bem
entendida, mas não deixou de receber aplausos em diversos momentos. Os
intelectuais do movimento e simpatizantes foram os responsáveis por defender a
iniciativa nos jornais.
Tratado como irrelevante, o
evento realmente não produziu o impacto nacional imediato que se esperava à
época. A mídia só abriu espaço para o evento depois que circulou boatos de que
Oswald de Andrade teria pago estudantes para arremessar tomates nele durante a
apresentação. A escandalização era parte da revolução proposta, o recurso de
marketing deu certo.
A Semana foi
importante por deixar um legado que impactou todas as demais correntes
artísticas, do tropicalismo ao neoconcretismo, que usam de conceitos desde
antropofagia e experimentação como energia vital para a busca da arte
brasileira.
A Semana de Arte Moderna
aconteceu, não por acaso, no centenário da Declaração de Independência. A
proposta simbólica era a sugestão de uma outra independência, de caráter
emancipatório e libertário para as artes.
Agora, em 2022, vivemos o
centenário da Semana de Arte Moderna, e qual a emancipação nos é
cara? Neste momento, sabemos que apesar da busca pela brasilidade, a inovação
estética proposta pelos organizadores da Semana era
intimamente ligada às vanguardas europeias. Dessa forma, a arte produzida por
artistas negros e indígenas não teve espaço no cenário, bem como a arte
produzida por mulheres. Portanto, se percebe hoje urgente a revisão histórica
que emancipe o lugar desses artistas que outrora estiveram à margem do grande
circuito.
É importante refletir sobre o
evento que abriu horizontes e mudanças de olhar, e não se permitir estagnar no
status quo, evocando como legado ativo a experimentação, a crítica e a
liberdade. Como afirmou o artista Denilson Baniwa para a Revista
Desvio: “a antropofagia agora é o devorar de tudo o que existe sem
usar talheres franceses”.
Acesse também:
https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/100-anos-da-semana-de-arte-moderna-celebracao-ou-reflexao/
https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/a-semana-arte-moderna.htm
https://www.gov.br/museus/pt-br/assuntos/eventos/100-anos-da-semana-de-arte-moderna