Capítulo I

Nota de apresentação
das Teses de Rocha Lima

Valentina da Rocha Lima

 

É com muita emoção que escrevo esta breve nota introdutória às teses do Professor Rocha Lima; defrontei-me primeiro com a escolha do tom, seguiram-se estilo e conteúdo. Tratando-se de meu Pai quase que por si mesmos impuseram-se afetivos – sem transbordamentos, mas com simplicidade, como uma conversa entre nós e ele, de conteúdo contextualizante.

Cronologicamente, a primeira das teses é de l949: Através da "Oração aos moços": tentativa de explicação estilística de Rui Barbosa. Rui, uma das paixões de papai, e a quem dedicou inúmeros trabalhos, a começar, em 1948, com a palestra "Rui artista", em Montevidéu. A que se seguiram, em 1949, "O ritmo na prosa oratória de Rui" (artigo) e, ainda em 1949, "Oração aos moços", de Rui Barbosa (com estabelecimento do texto, prefácio e breves notas explicativas); "Radiografia da Réplica" (l980) e "Rui e o culto da língua portuguesa" (1982).

A segunda das teses é de l954: Uma preposição portuguesa: aspectos do uso da preposição a na língua literária moderna (tese de concurso para a cátedra de português do Colégio Pedro II).

A terceira é de l975: Subsídios para o estudo da partícula e em algumas construções da língua portuguesa (tese apresentada à Universidade Federal Fluminense, em prova de habilitação a Livre-docência).

Chama logo a atenção nas duas teses a preferência pelo estudo aprofundado das partículas; em uma o a, na outra o e. Há que se buscar uma explicação, ainda que hipotética? Ou simplesmente respeitar o gosto do Autor?

O Professor Raimundo Barbadinho Neto, em seu estudo Rocha Lima e sua contribuição para o ensino da Língua Portuguesa, teve extrema sensibilidade em compreender – no sentido mais abrangente do termo – "[...] certos aspectos que, segundo creio, representam contribuição pessoal sua aos estudos da língua portuguesa [...]"

E é ao analisar estes aspectos que nos mostra a gênese do interesse de Rocha Lima pela partícula e. Tratava-se da defesa de tese (de que foi examinador) da Professora Dirce Côrtes Riedel, quando se candidatou à cátedra de literatura brasileira da atual UERJ, com tese sobre a imagística de Guimarães Rosa. E foi tecendo considerações sobre Noites do sertão que Rocha Lima aponta um dos numerosos valores da conjunção e.

Às páginas 34-35 da tese, lê-se: "Em certas noites, só, Lalinha retornava à tenção de partir, tomando-a um tédio de tudo ali, e daquela casa, que parecia impedir os movimentos do futuro." (Guimarães Rosa)

Explicava Rocha Lima: "Esse e, herança da sintaxe latina, não adiciona simplesmente um termo a outro; inclui o segundo no primeiro para destacá-lo [...]"

Voltando a citar o Professor Barbadinho: "À luz desse subsídio da semântica das conjunções coordenativas, CRESCIA, segundo Rocha Lima, A POESIA DO TEXTO: 'todo ele a espelhar muito bem aquele fugidio instante de depressão de Lalinha; ali, no Buriti, naquela casa ...as pessoas envelheciam malogradas, incompletas, como cravadas borboletas'". E segue Barbadinho: "e com estas considerações dava Rocha Lima o passo preliminar para trabalho seu que terminaria por ser o que até hoje de mais completo se escreveu sobre o assunto – vale dizer: Subsídios para o estudo da partícula e em algumas construções da língua portuguesa."

Resta uma palavra final sobre o orgulho e a alegria que me tomam por ser filha do Professor Rocha Lima. Como lhes disse de início o meu tom seria afetivo – mas o afetivo aqui se fundamenta nas escolhas que papai fez (e só vou lhes falar de sua principal escolha profissional, porque não cabem as de foro íntimo): ser Professor com maiúsculas e cultuar nossa língua, nos mostrando os infinitos recursos que ela possui. Pois acredito que a língua é um pilar básico que sustenta nossa integridade pessoal. Uma língua não é simples maneira de dizer as coisas – por trás dela há as formas de pensar e de sentir. As mesmas dificuldades na tradução da linguagem estão presentes na tradução do próprio ser. Nós somos a língua em que nossa personalidade se estrutura. Nela estão as referências básicas de nossa individualidade: a língua uterina, das primeiras palavras; a língua da infância, da socialização. Do inconsciente. Referência emocional e social de raiz.

Tornamo-nos humanos pela linguagem, e pela linguagem codificada em escrita perpetuamos o conhecimento de cada momento da passagem humana pela terra, legando à posteridade de cada tempo o que o tempo anterior permitiu conhecer e acumular como cultura.

Este Congresso festeja a Linguística e a Filologia, e se insere na grande corrente de propagação deste Saber. Cumprimento a todos que trabalharam para que ele fosse uma realidade mais uma vez renovada.