CAPÍTULO III
CONCLUSÃO
Analisados todos esses processos estilísticos, não nos será
impossível tentar estabelecer a unidade do estilo de Rui na Oração
aos Moços e perscrutar a atmosfera espiritual que o gerou.
A Oração aos Moços é um catecismo. Catecismo de moral
cívica, de moral social, de moral política. Nela se casam, em núpcias de
ouro, o esplendor do pensamento e a maturidade do estilo. Não só pelas
galas excelsas de forma, senão, principalmente, pelo edificante do valor
educativo, pode haver-se como um magnífico testamento literário e
humano: a lição de um grande escritor e o exemplo de um grande cidadão.
Mas, aqui, quem dá conselhos à mocidade que o idolatrava não é o
jurista, nem o estadista, nem o polemista, nem o jornalista sem rival em
sua terra: é “o padrinho, o velho, o abendiçoador, carregado de anos e
de tradições, versado nas longas lições do tempo...” (BARBOSA, 1921, p.
24), em suma – o
mestre; quem
ensina aos moços que “o ódio ao mal é amor do bem e a ira contra o mal,
entusiasmo divino” (Ib., p. 18), mas, ao mesmo tempo, confessa
não se “ter habituado a maldizer, senão a perdoar, nem a descrer, senão
a esperar,” (Ib., p. 18) não é tampouco o sábio, nem o diplomata,
nem o constitucionalista insigne: é o missionário, o evangelizador, o
crente, numa palavra – o
apóstolo; quem,
já no termo dos seus dias, apesar de ter a alma “tantas vezes ferida e
traspassada tantas vezes” (Ib., p. 21) pela incompreensão dos
seus contemporâneos, ainda conclama a juventude a “pôr mãos à obra de
substituir pela verdade o simulacro político da nossa existência entre
as nações” (Ib., p. 53), não é, também, o internacionalista
glorioso, nem o artista da língua, nem o orador de Haia: é o homem de
luta, o patriota, o idealista impenitente, em resumo – o
lidador.
As particularidades do estilo de Rui na Oração aos Moços
parece confirmarem esse bosquejo de retrato psicológico:
1º – aquele preciosismo muito
seu, o culto do passado literário, a ortodoxia gramatical, o tom
explicativo de sua prosa não refletirão, por ventura, aspectos do seu
espírito de guia, de mentor, de mestre, de alguém que outra coisa não
desejou fazer na vida senão ensinar “com a doutrina e o exemplo, mas
ainda mais com o exemplo que com a doutrina...”? (Id., 1920, p.
205) Ensinar, no alto e amplo sentido da palavra, lhe foi a sagrada
vocação e o destino sagrado. Ele, consciente do valor próprio e do valor
das ideias que representava, timbraria de ser, em tudo, o modelo,
o paradigma, o exemplo.
2º – o sentimento de simetria,
revelado na sucessão dos grupos ternários, na regularidade das
antíteses e no paralelismo das repetições; o amor do
grandioso e do sublime, e os acentos místicos do seu
vocabulário não lhe espelharão, acaso, a alma iluminada de crente e de
poeta? Poeta e crente, porque, sonhando com estruturar a vida social na
justiça e na liberdade, fundava a liberdade e a justiça na consciência
religiosa: “...a liberdade fortalecida pelo espírito religioso, o
espírito religioso expandindo-se clarificado no seio da liberdade...” (Id.,
1907, p. 379) Só um poeta e um crente resumiria sua vida neste cântico:
Não há
justiça, onde não haja Deus. (Id., 1921, p. 47)
3 – por fim, o tom paternal do
aconselhador; o tom indignado do patriota; o tom profético
e levemente triste do lutador exausto; o ar de resistência e
combate, que lhe transpira do vocabulário, não estarão, talvez, a
dizer-nos algo do homem moral, do homem que lutou, e sofreu, e se
desencantou muitas vezes, mas perdoou sempre, e nunca perdeu a fé?
Queira Deus não tenhamos malbaratado, com
o desacerto da interpretação, quanta de riqueza espiritual ganhamos,
escrevendo este trabalho.
Rio de Janeiro, 31 de
janeiro de 1949
CARLOS HENRIQUE DA ROCHA
LIMA
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